Se pesquisarmos em dicionários ou enciclopédias, ou se perguntarmos por aí, o que é um monstro, a resposta será mais ou menos unânime em referir um ser feio, perverso ou pouco natural, algo que destoa e que, por consequência, se assume que tem más intenções. Mas na verdade, os verdadeiros monstros, aqueles que realmente têm más intenções e usam os outros, são mais difíceis de identificar.

Monstros é, um portento – uma leitura pesada, que ultrapassa as 350 páginas e que nos confronta com vários tipos de monstros. Alguns congeminam nas sombras, possuem demasiado poder e pouca empatia. Outros aproveitam o aconchego do lar para dar liberdade a acções perversas de forma impune.

Bobby Bailey é um rapaz simples. Sem família próxima, sem grande passado e aparentemente pouco inteligente, é o alvo ideal para ser usado numa experiência militar, que o transforma numa criatura horrenda, de pensamentos ainda mais simplistas. Confuso e sem laços, tenta regressar ao conforto do passado. Mas também o passado é traumatizante.

Bobby recorda o passado. Os momentos perfeitos antes do pai regressar da Segunda Guerra Mundial. Mas também os momentos que se sucedem ao seu regresso, em que a harmonia e a felicidade se vão esgotando progressivamente. Entre os traumas da guerra e um estranho fenómeno sobrenatural, o pai de Bobby regressou desconfiado, violento e inseguro, sempre à espera de ser traído e desafiado, usando qualquer mínima justificação para descarregar ondas de violência nos que lhe são mais próximos.

É assim que vamos acompanhando a destruição da confiança nos adultos, pelos olhos inocentes e fascinados de uma criança. Assim vemos lentamente a alegria esvair-se e dar lugar ao medo e ao silêncio, e a criança confrontada com o mal absoluto que a destrói. E nesta vertente, Monstros é uma leitura revoltante apesar de envolvente, uma história pesada e dolorosa que nos tira progressivamente a esperança. Mas que mesmo assim continuamos a ler, de tão colados que estamos ao que acontece diante dos nossos olhos.

Diria que é, nesta vertente, que Monstros mais impressiona e descarrega a sua força. O resto, não é novo. A experimentação genética dos nazis para criar super soldados é usada posteriormente por outros países com resultados devastadores, e há um toque de sobrenatural maléfico que envolve todas as circunstâncias, dando a sensação de inevitabilidade. A verdade é que os acontecimentos que rodearam o pai estão relacionados com o que agora acontece ao filho, e tudo parece encaixar de forma subtil e doentia, ainda que tal não seja afirmado na narrativa.

Estes elementos (os nazis, as experiências e a transformação num monstro) não são novos. Já os vimos em várias outras narrativas, seja de super-heróis, seja em deambulações sobre a guerra. O que realmente distingue Monstros é a abordagem, a empatia criada com a personagem principal, e o sofrimento da criatura que, afinal, é o menos monstruoso deste conjunto.

O resultado é, não só brutal, como deprimente e pesado. Não é uma leitura fácil – não porque não flua (até flui demasiado) mas que temos de dar espaço, tal a densidade de desgraças, que nos retira, a cada episódio, grandes doses de esperança e alegria.