Nunca vos deu vontade de pegar em algo de um autor específico? Isso acontece-me com alguns autores, e especialmente com Gabriel García Márquez – escrita pouco densa, mas capaz, fatalidades e desgraças que se conseguem tornar cómicas pela forma como são descritas, factos semi-fantásticos que dão à história uma aura surreal. A Hora Má, apesar de não ser um dos melhores do autor, não desiludiu.

Numa vila remota são deixados pasquins à porta dos vários moradores, papeís que divulgam os rumores que já todos ouviram, mas que ao verem a luz da madrugada, parecem confirmar as más línguas e atraem a desgraça a várias famílias. (Re)descobrem-se os filhos bastardos, relatam-se traições e, até, são assassinados os amantes revelados. Ainda que aquilo que é publicado nem sempre corresponda inteiramente à verdade, todos têm algo a esconder e temem a hora má. Unem-se esforços para descobrir quem coloca os bilhetes, mas sem sucesso.

Para além dos pasquins. o dia a dia na vila é influenciado pelas personagens ilustres que nela habitam – o juiz mulherengo, o alcaide corrupto cuja autoridade roça o ridículo, e um padre que se debate entre os ratos que habitam a igreja, o poder dos papéis da madrugada e a censura do cinema local.

A história torna-se não só uma descrição pitoresca de um quotidiano remoto, mas também uma crítica subtil e perspicaz aos Governos da América do Sul.

Este romance foi adaptado para cinema por Ruy Guerra com o nome O Veneno da Madrugada. Uma crítica interessante a este filme pode ser lida em Enquadramento.