Este livro não possui uma única história, mas três que decorrem num mesmo mundo, colonizado por seres humanos, onde teria existido anteriormente uma outra espécie sapiente. A história que dá nome ao livro foi originalmente publicada numa antologia e nomeada para os prémios Hugo e Nebula. Posteriormente, a esta novela foram acrescentadas A Story e V.R.T.
Todas as histórias decorrem numa dupla de planetas colonizados, Sainte Anne e Sainte Croix, pensando-se terem existido, no primeiro, uma espécie inteligente. Não se encontram, no entanto, vestígios de uma outra civilização e surgem as teorias mais díspares sobre o assunto.
Num mundo onde as leis do planeta Terra não se aplicam, existem clones e até escravos que são vendidos num mercado ao ar livre. Os seres humanos que possuem algum estatuto social vivem como os de hoje, existindo apenas alguns detalhes espaçados que levam a crer numa tecnologia extremamente avançada, mas não facilmente disponível.
Em The Fifth Head of Cerberus seguimos um rapaz, etiquetado pelo pai como o Quinto – um jovem cuja mente é estimulada desde tenra idade, e cujas experiências do pai debilitam fisicamente. A tia deste é uma conhecida cientista que terá postulado a hipótese de Veil, segundo a qual os humanos que iriam colonizar a terra terão sido substituídos pelos alienígenas sapientes que possuíam a capacidade de modificar a forma do seu corpo – a farsa terá sido tão bem ensaiada que até os próprios actores terão perdido a capacidade para vestir outra pele.
A segunda história, A Story, relata um povo alienígena com desenvolvimento semelhante ao homem pré-histórico. Possuem algumas ferramentas com as quais caçam, acreditam no vento e na magia e com fome vivem o presente tentando apenas conseguir sobreviver o dia que se apresenta. Assim conhecemos Sandwalker, um rapaz que terá um irmão gémeo perdido no mundo e que pretende consultar-se com o mago. Para tal terá de conseguir uma oferta digna.
V.R.T intercala as páginas de um diário de excursão antropológica, com descrições de vida prisional e gravações de interrogatórios a John Marsch, o suposto autor do conto anterior. Preso por espionagem, John nega as acusações sem sentido que o levaram à cadeia, depois de ter deambulado vários anos nos desertos em busca dos seres inteligentes que outrora terão habitado o planeta. Com obstinação vai escrevendo as memórias nas folhas de papel que lhe disponibilizam.
No geral, o conjunto deixou-me algo decepcionada. Talvez por fazerem parte de uma história maior, pequenas porções de uma realidade de dimensão superior, fiquei com a sensação de que lhes faltava algo. A primeira novela possui uma reviravolta estranha, inoportuna e até irracional como se a história tivesse de ser terminada e para tal se tivesse sacrificado o fio condutor. A Story possui excelentes momentos e foi aquela que me pareceu mais completa, ainda que a acha incongruente com o restante conjunto e finalmente V.R.T. é coeso mas demasiado estático.
Mas não é só à primeira história que parece faltar algo. Também o conjunto, quando analisado após a leitura, parece incompleto – as três novelas são demasiado díspares e talvez fosse necessária uma quarta para tornar o conjunto mais coerente. Ou talvez bastasse mudar a ordem pela qual nos são apresentadas. No final, fica-nos um enigma cuja solução apenas poderá ser imaginada pelo leitor, que irá criar a sua própria teoria sobres os reais acontecimentos.
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Este comentário foi realizado no âmbito do Círculo de Leibowitz e poderão encontrar outras críticas nos seguintes espaços
- Inner Space
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