Depois do enorme sucesso que teve o livro Babel de R. F. Kuang, decidi experimentar algo da autora e cheguei, até, a adquirir essa obra da autora. No entanto, dado o elevado hype, ainda não tive coragem de lhe pegar. Achei melhor começar com uma série menos falada, mas lançada recentemente no mercado português. A Guerra das Papoilas é o primeiro volume de uma trilogia, lançado em Portugal pela Desrotina, tendo sido já lançados os dois primeiros.
Rin é a personagem principal. Órfã de guerra, é adoptada por uma família miserável – não tanto em condições financeiras, mas morais. Vendedores de ópio, uma actividade que também neste mundo é ilegal, forçam Rin a trabalhar entre a distribuição do produto e a jornada na loja. Quando se decidem a vender Rin como futura esposa de um homem de alguma idade (mas também envolvido no comércio de ópio) a jovem determina-se a investir nos estudos e a conseguir uma bolsa para a única localização do império onde tal é possível – uma prestigiada academia onde são formados todos os futuros líderes militares.



A preparação para as provas não é fácil. Mas a vida na academia ainda será pior. A cor de pele de Rin, a par com as suas origens humildes (ou desconhecidas) fazem com que seja rapidamente apontada e descriminada. Principalmente depois de ter enfrentado um colega socialmente mais poderoso, que convence quase todos os restantes a implicar com ela. A história não se fica pelo quotidiano estudantil. A Guerra aproxima-se e as capacidades adquiridas durante os estudos serão rapidamente necessárias, pondo-se de lado rivalidades anteriores.
Rin irá demonstrar capacidades peculiares, optando por ser ensinada por um mestre duvidoso, mas que lhe ensina, não só a luta corpo a corpo, como a pensar fora da caixa, e a desenvolver a capacidade de contactar com os deuses – o que resultará na possibilidade de os deixar possuir o seu corpo e a sua mente, para usar grandiosos poderes.
A narrativa centra-se, quase sempre, na perspectiva de Rin. Existem alguns, poucos e raros, episódios que nos mostram alguns momentos chave centrando-se em outras personagens, relevando alguns detalhes curiosos ao leitor. Significa que a nossa percepção dos acontecimentos é bastante limitada, sendo Rin uma personagem que, pelo menos por enquanto, é apenas uma estudante (numa primeira fase) ou apenas um soldado com capacidades especiais (na segunda parte deste volume).



Os detalhes do mundo vão sendo descobertos conforme Rin vai avançando nas aulas, servindo o foco nalgumas explicações para apresentar discussões sobre estratégia, mas também para nos revelar a história daquela civilização, com inúmeras batalhas e confrontos políticos e civilizacionais. Nesta vertente, é bastante relevante o foco no extermínio de um povo, que decorreu numa ilha específica, e que parece ser o objectivo dos invasores que agora provocam a Guerra.
Este inimigo, no entanto, parece bastante peculiar. Enquanto que a civilização onde Rin se encontra parece bastante rudimentar em avanços científicos (quer na perspectiva tecnológica, quer nas perspectivas militares e química), a civilização invasora parece ter desenvolvido armas químicas, enquanto executa testes nos presos de guerra, que fazem recordar as experiências levadas a cabo pelos nazis na Segunda Guerra Mundial.



Os detalhes do mundo são curiosos, ainda que só venhamos a conhecer aqueles que se relacionam com o que vai acontecendo. Percebemos que a ligação aos deuses já foi mais forte. Percebemos que o sistema de magia tem um elevado preço a pagar (a futura loucura) e que aqueles que se ligam aos deuses para a usar estão condenados a uma eternidade sombria. A utilização da magia parece não ser igual para todos, sendo que cada personagem desenvolve poderes diferentes e, consequentemente, aspectos diferentes – também dependendo de qual dos deuses os obtém.
A par com os temas de genocídio e experimentação em presos de guerra, a narrativa foca-se, também, nas diferentes possibilidades que as origens financeiras proporcionam. Numa sociedade quase feudal, os senhores têm acesso simples a todas as mordomias, acreditando ser superiores e fazendo reflectir essa crença em todos os relacionamentos. Tal traduz-se, claro, nos relacionamentos difíceis de Rin que, apesar das origens pobres, conseguiu entrar na academia.



Ainda assim, apesar de se transformar rapidamente num page-turner, A Guerra das Papoilas não é uma narrativa perfeita. A personagem principal passa por dificuldades, mas ainda assim, há progressões que parecem algo forçadas. O facto de ser uma personagem sem origens conhecidas que consegue entrar na academia, mas coincidentemente descobrir ter poderes mágicos formidáveis, é um elemento difícil de acreditar. Não é apenas aqui que a narrativa estica a capacidade do leitor em aceitar tantas coincidências.
Este primeiro volume apresenta um mundo fantástico com bastantes elementos comuns a outras narrativas que conhecemos, bem como alguns elementos originais que a distinguem. Um dos aspectos mais interessantes será a comparação das duas civilizações que agora se enfrentam, e estou curiosa por saber algo mais sobre os inimigos. Em paralelo, o sistema de magia ou de poderes parece ser diferente do habitual, elemento que distingue positivamente esta narrativa. Estou curiosa por saber como a narrativa se desenvolve e já adquiri o próximo volume, mas deverei dar alguma folga até o ler, dados os aspectos menos positivos.