Descobri China Miéville há alguns anos com Perdido Street Station, um livro que cruza vários géneros literários e apresenta uma realidade com tantos elementos fantásticos e de ficção científica num ambiente tão estranho que me fascinou. Desde então qualquer livro do autor é de aquisição e leitura obrigatória.
Já tinha lido muitas críticas negativas a este This census-taker. Com tão baixa expectativa o que encontrei não foi uma má história, mas uma que me deixou a impressão de não a ter compreendido na totalidade, ainda que a linha narrativa seja aparentemente simples.
A história inicia-se com um episódio marcante que irá ser o centro de toda a história. Um rapaz que vive numa casa na floresta terá visto o pai matar a mãe. É com esta ideia, gritando, que chega à aldeia mais próxima onde é recebido com um misto de revolta e descrença.
Sem agentes de autoridade capazes de tomar conta da ocorrência, alguns habitantes mais interessados acolhem o rapaz enquanto investigam o que se terá passado. Pelas palavras do pai, a mãe terá abandonado a família e a interacção entre ambos não terá passado de uma mera discussão.
Mostrando uma carta (falsa?) recolhe o rapaz que passa a viver em terror constante. Ainda que o pai não se mostre particularmente violento o rapaz mantém-se distante, recordando acessos de fúria do pai ou os seus rituais (aos quais terá assistido escondido) que o levam a transportar cadáveres de animais para um buraco sem fundo no meio da floresta.
E a história é, na prática, tão simples quanto isto – um rapaz amedrontado e desconfiado que acredita ter assistido ao assassínio da mãe. O que não é simples são os elementos estranhos que rodeiam os episódios nos quais seguimos o rapaz, antes e depois do evento marcante, colocados de forma subtil e quase irrelevante ao longo da narrativa.
A passagem para a aldeia apresenta-se como uma barreira física e psicológica – algo na aldeia impede o funcionamento da magia do pai (que faz feitiços a pedido) e é na aldeia que parecem desaparecer alguns elementos fantásticos que encontramos na floresta, desde as simples menções a sombras, a homens-árvores que o rapaz avista. Ainda, é na floresta que se encontra o buraco que o pai alimenta de forma quase hipnótica.
Por outro lado vamos percebendo que existe uma cidade distante bem diferente da aldeia em que se encontram que representa a realidade futura do rapaz, uma cidade carregada de elementos surreais que são recordados diversas vezes. E são estas recordações e referências que têm levado alguns fãs a acreditar que This census-taker é mais um livro no Universo de Bas-Lag (onde se encontra Perdido Street Station), ainda que eu não esteja totalmente convencida – percebe-se que existem reminiscências de algo maior mas que, nesta história, apenas criam um ambiente de incerteza e surrealidade.



