
Rui Zink é daqueles autores que já atingiu uma aura de respeitabilidade que lhe permite deambular, por vezes, nos géneros da ficção científica sem perder leitores para os seus restantes livros. Bem, respeitabilidade ou uma atitude de quem não quer saber de rótulos e de géneros. Seja o que for, Rui Zink conseguiu a proeza de vencer um prémio Utopiales com A Instalação do Medo, uma distopia que apresenta uma crítica certeira à nossa sociedade.
E é verdade. Ao bom fascista ninguém chama mentiroso. Não à sua frente, pelo menos, que ele não é menino de se ficar.
E como sabemos que são verdadeiras verdades de verdade? Ora, porque ele o diz. E, se o diz, verdades são como punhos.
Bem fora dos temas distópicos ou, até, de ficção científica, este Manual do Bom Fascista possui o tom criticamente cómico pelo qual o autor é conhecido. De texto em texto, Rui Zink vai desmanchando a figura que é o fascista, o homem que parece surgir de décadas profundas. Segundo este retrato o fascista é um homem frustrado que descarrega em todos os que o rodeiam as suas frustrações.
O bom fascista não vai nessas conversas de dar tudo a toda a gente – até porque o mundo está cheio de langões que não querem é trabalhar. Se quisessem mesmo trabalhar trabalhavam, sem discutir o salário.
Nisto, o bom fascista é pragmático: não quer necessariamente ir acima, basta-lhe que alguém vá abaixo. Não deseja o bem de todos (utopia estúpida), já fica consolado se vir os outros infelizes.
No entanto, o bom fascista é também um sonhador: gostaria que lhe reconhecem as qualidades que ele sabe não ter, mas que é uma injustiça ele não ter.
Pior que frustrado, é uma pessoa de vistas curtas que abomina todos os que pensem de forma diferente, ou que aspirem a algo diferente do que ele.
Ná, as elites desportivas não incomodam o bom fascista. Afinal, querem o mesmo que a gente. Fazer dinheiro! Ter uma vivenda! Ir ao Algarve!
As elites desportivas – milionários do pontapé ou da raquete – também não perturbam o bom fascista. Porque (pelo menos na sua cabeça) os sonhos deles são os mesmos que os seus. (…) . Agora o que tira realmente do sério o bom fascista é a malta letrada. Os intelectuais. Os pseudointelectuais. O bom fascista não sabe bem a diferença entre intelectuais e pseudointelectuais – só sabe que ambos o irritam. Definição de elite, na cabeça do bom fascista: os snobes, os artistas armados ao pingarelho, os tipos que vão aos concertos que ninguém percebe, os arrogante que gostam de pinturas que até o meu filho saberia fazer, os tipos de fingem divertir-se a andar a pé. Essa cambada que troça de quem tem sonhos normais.
Rui Zink não poupa comentários aos fascistas, figuras críticas e fechadas, que, para além de viverem no passado não são construtivas nem positivas, ficam felizes com as infelicidades dos outros, enquanto não mexem uma palha para melhorarem a própria vida. Estas mesmas figuras são as que não reconhecem as capacidades adquiridas com os estudos, achando que em cinco minutos de internet possuem um doutoramento em qualquer tema.
O bom fascista alimenta-se de mentiras e distorções, é essa a sua dieta favorita, mas, se não houver mais nada para comer, também não desdenha um facto. O bom fascista gosta é de tasquinhar, e até acha graça à ocasional verdade, desde que esses exóticos produtos chamados factos cumpram o requisito fundamental: confirmarem o que ele pensa.
Mesmo quando vê o noticiário, um bom fascista não se deixa dispersar nem enganar: só escuta aquilo que já sabe.
Mas o livro não contem só um fabuloso retrato do fascista de trazer por casa que se nunca se fica quando é ofendido (principalmente atrás de um teclado). Como forma de suportar este retrato, o autor intercala o texto com citações de… claro! Fascistas:
«RACISMO, MAS QUAL RACISMO?
SÓ SE FOR O DOS PRETOS CONTRA OS PORTUGUESES BRANCOS!
ÁLIÁS, CONSIDERO A EXISTÊNCIA DE UMA PSEUDOPLATAFORMA DENOMINADA SOS RACISMO, UMA AFRONTA EXTREMAMENTE OFENSIVA À ESMAGADORA MAIORIA DOS PORTUGUESES; O FACTO DE ELA EXISTIR REMETE AUTOMÁTICAMENTE PARA A IDEIA DE K PORTUGAL É RACISTA, E HJ EM DIA NÃO O É!
SE OS PRETOS NÃO GOSTAM DOS BRANCOS, PK É K EU SOU OBRIGADO A GOSTAR DELES?»
E com esta representativa citação termino o comentário ao livro, dizendo – leiam! É um retrato fabuloso (infelizmente) de uma série de figuras populistas e pouco evoluídas que justificam algumas recentes alterações políticas!
Manual do Bom Fascista foi lançado em Portugal pela Ideias de Ler.