Enquadrado no Plano Nacional de Leitura, Aventuras de João sem medo é um excelente e surpreendente conjunto de histórias em torno de um rapaz que parte por terras encantadas, esperando todos os habituais clichés das aventuras com fadas e monstros com um espírito crítico que confere à narrativa um interessante aspecto cómico, muitas vezes em tom de comentário social ou político.
João sem medo nasceu na aldeia Chora-Que-Logo-Bebes, um lugar onde todos os habitantes passam os dias a chorar por tudo e por nada. Cansado desta forma de viver, João jurou não ter medo de nada (ou pelo menos não o mostrar) e decide-se a partir em aventura apesar dos receios generalizados em o deixar passar a fronteira.
É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir
Com esta frase inicia-se a grande aventura de João que logo tem de fazer uma escolha entre o caminho a seguir: o asfaltado ou o de pedregulhos. O primeiro, caminho de fácil pavimento, conduz à felicidade, mas no final terá de perder a cabeça (literalmente). Já o outro prevê-se difícil, mas ao menos irá manter o cérebro no lugar.
Esta é apenas a primeira de muitas escolhas que João terá de fazer e que o irão conduzir por caminhos inusitados onde terá de demonstrar as suas características bondosas e a coragem – não de forma inocente. João espera todas estas provas, sabendo que fazem parte das grandes aventuras mágicas e vai fazendo pequenas tiradas irónicas ou insolentes:
O descabeçado, de cigarrilha na boca do estômago, expôs-lhe então com paciência burocrática:
– Ninguém pode seguir o caminho asfaltado que leva a Felicidade Completa sem se sujeitar a este programa bem óbvio. Primeiro: consentir que lhe cortem a cabeça para não pensar, não ter opinião nem criar piolhos ou ideias perigosas. Segundo e último: trazer nos pés e as mãos correntes de ouro…
João Sem Medo ouriçou-se numa reacção instintiva:
– Nunca! Bem se vê que não tens a cabeça no seu lugar.
(…)
– Deixá-lo. Prefiro tudo a viver sem cabeça. Nem calculas a falta que ela me faz.
Este episódio inicial demonstra facilmente a dupla leitura que a maioria destas aventuras permite, metáforas de um comentário social e político, muitas deles retratando aspectos do regime Salazarista. Entre príncipes que se julgam demasiado belos para contemplar, cidades viradas do avesso e fadas travestis, João Sem Medo vai resistindo a cada aventura até que se decide voltar a casa – mas só metade!
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Cade a historia?