
O papel do idoso tem, nas últimas décadas, sofrido uma evolução abrupta e controversa. Os mais velhos deixaram de ser considerados os repositórios de sabedoria e memória familiar, os cuidadores dos mais novos, para serem vistos como um empecilho e despachados para lares deprimentes onde a inactividade física e mental é contagiosa.
A velhice torna-se então uma época de solidão, de saudades dos entes queridos que se vê apenas em épocas festivas, de confronto diário com os problemas mentais alheios. É este o cenário que Rugas nos apresenta, sob uma perspectiva cercada de bom humor onde a decadência se consegue tornar cómica entre os episódios de esquecimento e ilusão que afectam a calma aparente.

A história centra-se em Emílio, um bancário reformado que é posto num lar depois de proporcionar ao filho alguns episódios exasperantes, provocados pelos vacilos da memória. O diagnóstico é claro – Alzheimer. O lar é habitado por inúmeros idosos sonolentos que permanecem nas diversas salas de actividades, destacando-se aqueles que vivem no passado, e revivem constantemente episódios marcantes.

Apesar do enquadramento deprimente, Rugas consegue dar uma perspectiva ligeira, bastando para isso introduzir duas ou três personagens mais dinâmicas que se desviam da apatia circundante, como o velhote sem família que se aproveita dos esquecimentos alheios para encher os bolsos ou a velhota lúcida que, estando casada com um doente avançado de Alzheimer, consegue manter os pequenos detalhes que fazem aquele dia-a-dia valer a pena.
São estes pormenores bem colocados que realçam mentes perdidas no passado e histórias de vida que se perdem, à mesma velocidade com que se instala a incapacidade de as transmitir aos familiares, seja porque a memória falha, seja porque a linguagem e os interesses já não são partilhados.

Em Portugal, Rugas foi publicado pela Bertrand Editora.