
Eis mais um autor português a lançar directamente no mercado Anglosaxónico. Desta vez foi João Silva, residente em Londres, com um livro de fantasia (ou de ficção científica, quiçá veremos com a progressão da história, visto existirem elementos dúbios) que é o primeiro de uma série.
Seeds of War decorre, portanto, num mundo bastante diferente do nosso. Esta facto é bastante evidente desde o início, com a apresentação de um mapa que apresenta uma geografia distinta, bem como de alguns animais que serão referidos ao longo da narrativa.
É neste mundo, composto sobretudo por dois continentes e com algumas variações climáticas, que decorre a acção. A sociedade que nos é apresentada possui contornos medievais, com reis e nobres soberanos que agem de forma déspota para com os que os rodeiam. Facilmente se chacina uma parte da população, para tornar coerente uma qualquer narrativa da realiza. Existem comerciantes e guerreiros, sendo que nestes últimos se destacam os que, através do poder do fumo, possuem capacidades sobre-humanas.
A narrativa vai oscilando entre várias personagens, nenhuma delas totalmente boa ou má, mas, antes dúbias, até para os que as rodeiam. Uma das personagens é uma mulher veterana de guerra, Gimlore, que migrou para o novo continente com o objectivo de criar uma nova sociedade, sem nobres, onde todos possam ter possibilidade de vingar. Para além do seu passado bélico, Gimlore é conhecida por ser uma mulher de duro trato. A segunda personagem principal é Rednow, um mercenário que procura reformar-se – mas a última missão não há-de correr como deseja e vê-se no caminho do novo continente.
Encontramos ainda Orberesis, um ladrão que se faz passar por Deus, utilizando os poderes de um pendente roubado, para se erguer. Orberesis consegue uma legião de fãs, sobretudo plebeus, mas também nobres e até um rei, que lhe permitirão fazer-se passar por uma figura mais importante do que é na realidade. Para além de querer poder e reconhecimento, Orberesis sofre com enormes dores de cabeça desde que encontrou o pendente e procura curá-las, procurando um misterioso elixir de capacidades curativas, gerado no novo continente.

Alternando entre as três personagens, a narrativa é movimentada, mas com os necessários momentos de pausa e de caracterização. Nenhuma das personagens principais é pacífica, sendo movidas por diferentes (e por vezes, opostas) motivações. A caracterização inicial não é perfeita, mas com o avançar das páginas cria-se a necessária empatia e entendimento que nos levam a querer saber o que lhes acontece.
Apesar das sucessivas escaramuças ou, até, batalhas, a narrativa de forma fluída, sem causar grandes confusões no seu entendimento. Adicionalmente, estando perante um mundo diferente, com nomes, reinos e criaturas diferentes, a história consegue não cair na confusão das excessivas referências como ocorre com vários autores que tentam criar novas e densas realidades fantásticas.
Nem tudo é perfeito, claro. Existem alguns elementos menos polidos, mas que vão sendo corrigidos com a progressão da história. Um destes exemplos menos perfeitos é o excesso de adjectivos nas primeiras páginas. Pouco é apresentado sem emparelhar com um adjectivo (abaixo). Felizmente, é algo que se vai tornando mais subtil com o avançar das páginas:
«Sweaty merchants in ratty clothes stopped loading their rustic wagons. A gang of shoeless children… (…)
A shorter man struggled with his robes in the muddy street… »
Seeds of War é, sobretudo, uma fantasia de acção que pode ser colocada ao lado de narrativas como as de Joe Abercrombie, ainda que menos pungente e menos irónico, mas com personagens mais dúbias – nem totalmente boas, nem totalmente más. Outro elemento em que se destaca este Seeds of War é pela manipulação dos acontecimentos, fazendo com as personagens convirjam em momentos chave, alinhando os seus objectivos pessoais, de forma a não parecer algo forçado.
A história é equilibrada, entre os momentos de acção e outros de introdução e caracterização de personagens, que nos mostram como agem e quais as suas motivações. O resultado é uma leitura ritmada que flui bem. Em termos de fantástico, existe magia, mas esta é moderada e justificada – de tal forma que me questiono se, nos próximos volumes, ao se detalharem os mecanismos desta magia, não irá parecer mais ficção científica do que fantasia.
Não esperem poções mágicas, varinhas de condão ou palavras numa língua estranha. A magia aqui revela-se nos que passaram por um processo eliminatório para sobreviver ao fumo e que, consequentemente, desenvolvem capacidades sobre-naturais. Para além destes poderes, encontramos o tal pendente que Orberesis usa (que também será justificado) e um elixir que passa por um processo de produção curioso. Novamente – os elementos mágicos são q.b.
Todos estes elementos (a magia, as personagens dúbias, as circunstâncias diplomaticamente tensas, o contraste social entre os dois continentes) resultam numa leitura original e cativante que, ultrapassando os detalhes menos perfeitos, tem um grande problema – quanto tempo demorarão os próximos volumes?