Finalista do Prémio Orange de 2023, Hoka Hey! chamou-me à atenção numa livraria francesa por conta do seu visual, realista e em tons pastel, focado na perspectiva dos índios, apesar de se tratar de um Western. É, efectivamente, uma leitura tocante e envolvente, apesar do final disruptor.

A história começa por nos apresentar um jovem índio, Georges, que, desconhecendo os pais e nunca tendo vivido entre os seus, é educado pelo pastor branco que o expõe como um animal de circo. O rapaz é capaz de recitar a bíblia, apresentando modos semelhantes aos dos colonizadores, uma dissincronia curiosa que é enfrentada com risos, especialmente quando expressa a vontade de estudar medicina.

É num destes passeios de exibição, quando o pastor tenta impressionar uma jovem mulher, que são interpelados por um grupo curioso – duas índias e um homem branco que os matam a troco de informações. Bem, não a todos. O jovem índio é levado com eles. A partir daqui, Georges vai conhecer um pouco da sua cultura original e estabelecer laços pouco prováveis no grupo.

Hoka Hey! é um western pouco tradicional. Focado na perspectiva índia, apresenta as mazelas impingidas pelos ocidentais que assim foram exterminando os povos nativos. Para além das doenças e da guerra, são obrigados a assimilar a cultura à força, perdendo territórios e o principal sustento, com a morte, pela mão ocidental, de milhares de búfalos.

A viagem, forçada a Georges, vai se transformar lentamente numa viagem de redescoberta cultura. O jovem rapaz, tendo vivido entre ocidentais toda a vida, julga-se ocidental apesar do tom de pele, não percebendo que entre os brancos não é levado a sério e é visto mais como um macaco adestrado do que como uma pessoa com direitos e autonomia.

Entre confrontos culturais e conversas, Georges vai percebendo a diferença de costumes, a honra nas acções, o respeito pela natureza que fornece a caça, e as diferentes perspectivas. Não deixa de estar no meio de duas civilizações, mas com esta viagem passa a sabê-lo. Os índios são tratados com inferioridade, como objectos ou escravos, achando-se sempre que o ocidental é quem deterá o direito sobre os restantes.

A par com a inferioridade que é vista nos índios, os mestiços não têm melhor sorte. De um lado são também vistos como inferiores, do outro como resultado de uma subjugação, de episódios que se pretende esquecer e ultrapassar. Mas os índios não são os únicos a ser explorados. Também outras nacionalidades têm sido historicamente remetidas para a insignificância por conta da sua pobreza.

Para além da redescoberta cultural, Hoka Hey! é uma história envolvente, em que as personagens estabelecem laços curiosos. É uma obra emocionante, mas também triste e chocante, um misto agridoce que ficou como uma das melhores leituras do ano.