
Eis que finalmente começo a pegar nos volumes da última edição da colecção Novela Gráfica lançada pela Levoir em parceria com o jornal Público. Entre os vários livros lançados encontra-se este, com um título curioso.
A história possui duas personagens principais, Léa e Louis Levasseur. O segundo, um escritor falhado que se afunda em dívidas enquanto tenta escrever as primeiras linhas do próximo romance, é um homem aliado das dificuldades do mundo e demasiado auto centrado.
Não é, assim, de estranhar que, quando encontra um diário num monte de lixo, o comece a ler e, apesar de identificar a dona, tenha como ideia utilizá-lo como sendo uma ideia sua para um novo romance. É que o que Léa descreve é peculiar – um dia esqueceu como ligar os electrodomésticos e já não consegue trabalhar com eles. Nem seguir um manual de instruções. Mas Léa mudou-se. Ou saiu de casa, deixando um casamento recente.



Louis tem um inesperado sucesso. A aflição descrita por Léa torna-se uma metáfora para a libertação dos trabalhos domésticos, com várias mulheres a identificarem-se com a personagem, e a aspirarem a semelhante libertação, num final inventado pelo escritor. Sessões de autógrafos e adaptações, a história de Léa torna-se conhecida. Mas Louis que procura Leá desde que a identificou parece não viver, de forma adequada, à altura das expectativas do seu sucesso.
Leá não se lembra como funciona o aspirador tem vários episódios preocupantes. Por um lado, é uma história que se centra na violência doméstica. Tal é evidente no diário de Léa, ainda que ela nunca o diga ou relate explicitamente – como exemplo temos um pensamento inicial onde ela expressa a vontade de cortar o cabelo, até porque “Já cresceu muito e isso irrita o Xavier”. Ao longo da narrativa existem outros sinais de que esta não será uma relação equilibrada.
Por outro lado, o escritor usa, sem pudor, o conteúdo de um diário real, mantendo o nome e as referências originais. Para além de fazer passar o livro como obra ficcional da sua autoria, expõe todos os detalhes escritos por Léa.



A narrativa acaba por ter mais impacto com a progressão. O início, a apresentação de um escritor demasiado centrado em si mesmo, parece leve, ligeiramente curioso, contrastando com a realidade que, estando diante dele, permanece invisível. Com a progressão, torna-se mais introspectiva, com o escritor a procurar Léa, como se a quisesse parabenizar pela influência na sua obra. Existe então, mais no final, uma perda de inocência.
Léa é vítima de violência. Mas mais do que isso, é ignorada e minimizada. Por alguns de forma consciente, por outros de forma inconsciente. O marido retira-lhe humanidade pelas agressões psicológicas e físicas. Já o escritor, reconta a sua história, interpretando-a com a sua visão limitada, retirando-lhe voz e identidade, na forma naive como lidou com o diário que encontrou.
O livro apresenta, também, momentos bastante interessantes do ponto de vista visual. Os desenhos, a lápis são expressivos, demonstrando perspectivas únicas e introspectivas, ou momentos de maior aflição e exposição. Há, também, momentos ligeiramente cómicos ou caricatos que aliviam a narrativa, principalmente nos momentos focados no escritor.



Léa não se lembra como funciona o aspirador apresenta um título curioso, recordando romances leves e engraçados, mas é muito mais do que parece à primeira vista. Começa como um problema curioso que quase parece remeter para um realismo mágico, e evolui para uma temática mais dura e pesada, ainda que de forma subtil.