
(…) daí tanta gente achar um desaforo a lei, suponho que em breve revogada, de assegurar salários e direitos às criadas de casa, pois assim não há condições de fazermos uma vida condigna. E de um certo ponto de vista é verdade: para onde caminharão os direitos humanos se todos os humanos forem considerados humanos?
Se em História Universal da Pulhice Humana de Vilhena (também publicado pela E-Primatur) se conta a história da humanidade como forma de expor uma crítica social perante os vícios, as falsidades e as traições sucessivas, como espelho da própria sociedade portuguesa da época, em Avelina Criada para todo o çerviço a narrativa centra-se numa rapariga que, servindo na casa dos outros, vai descrevendo as más práticas que escondem.

Saindo muito cedo de casa, que a família, grande, não tem condições para alimentar todos, cedo percebe o assédio constante que está inerente à profissão – assédio de que acaba sempre como culpada e consequentemente despedida. O truque está em assumir este papel mais fraco na hierarquia e conseguir, mesmo assim, ganhar alguma coisa com a situação.
Assim, na sua primeira casa, apercebe-se dos vícios de todos os moradores, desde a filha mais nova que já se deita com o noivo, à tia solteirona que se aproveita do vigor do sobrinho mais novo, ao médico, pai de família, que atende mais demoradamente as clientes jovens.

Carregado dos episódios pícaros aos quais Avelina assiste (e mais tarde participa) vão-se expondo os esquemas por detrás da rigidez burguesa ou da mente rural em que o que importam são as aparências e os comentários da vizinhança. Já na grande cidade a realidade é um pouco diferente, e Avelina consegue fazer-se valer dos seus dotes físicos para conseguir melhores empregos que a lançarão no mundo do espectáculo.
(…) até tive que empenhar os brincos da tua avô, que a gente viu-se parva para lhos arrancar das orelhas. Foi preciso segurar-lhe os braços e a cabeça, que ela desatou à ferroada à gente, que parecia possessa… e o que valeu é que não podia mexer as pernas, porque Nosso Senhor fez a graça que lhe pediste e deixou-a entrevadinha das duas pernsa e agora sempre é um sossego.
O contraste com o mundo rural é caricato – a falta de meios desumaniza os restantes elementos da família, encurralados na sua condição de penúria, fazendo o que podem para sobreviver com os poucos meios que possuem, nem que para isso sejam cruéis entre si. Sem nunca terem saído da terra apresentam a mentalidade tacanha e fechada em que tudo pode ser feito, desde que às escondidas.
Picante, com episódios que expõem o ridículo da mentalidade dos aparentes bons costumes, entre acontecimentos inusitados e mirabolantes, Avelina Criada para todo o çerviço apresenta uma personagem capaz de se valer da sua condição inferior para fazer a sua vida, apesar dos sobressaltos.
Em Portugal, Avelina Criada para todo o çerviço foi publicado pela E-Primatur.
Olá Cristina!! Muito bom seu post!! interessante, anotado!! a fila da leitura esta grande, mas vamos vencendo, capítulo à capítulo!!! kkkk
Boa sorte! a minha fila continua a crescer assustadoramente!
Kkkkkk
Este é mesmo de Vilhena? Lembro-me ter devorado a literatura dele às escondidas do meu avô que a tinha num lugar discreta da casa… Que giro!
sim 🙂 é uma nova edição que tenta respeitar o formato e o aspecto original, tal como https://acrisalves.wordpress.com/2016/01/08/historia-universal-da-pulhice-humana-jose-vilhena/
Pena o meu avô ter falecido, senão já tinha prenda de natal… Só nós os dois é que apreciávamos o espírito de Vilhena 🙂