No livro do mesmo autor, Real-Town Murders somos apresentados a um mundo futurista em que a maioria dos seres humanos passa a existir num mundo virtual onde podem concretizar a maioria dos seus desejos. É nesta realidade que conhecemos Alma, uma detective privada que vive no mundo real, presa pelas suas próprias crenças e por um amor trágico – a sua parceira tem uma grave doença que requer um tratamento personalizado a cada quatro horas.

Em Real-Town Murders Alma é chamada a resolver um crime impossível quando um corpo aparece na bagageira de um carro que acabou de ser construído numa fábrica estanque à entrada de humanos. By the Pricking of Her Thumb utiliza o mesmo cenário e personagem principal, para apresentar duas mortes que precisam de ser resolvidas – uma mulher que tem apenas a lesão de uma agulha num dedo, e uma personalidade que morreu ainda que não se conheça a identidade por detrás do avatar.

Cyberpunk?

Cyberpunk is a subgenre of science fiction in a dystopianfuturistic setting that tends to focus on a “combination of low-life and high tech”[1] featuring advanced technological and scientific achievements, such as artificial intelligence and cybernetics, juxtaposed with a degree of breakdown or radical change in the social order.[2]

in https://en.wikipedia.org/wiki/Cyberpunk

Ainda que o foco narrativo alterne entre o relacionamento de Alma e os casos policiais que tenta solucionar, a velocidade e a descrição da sociedade, quer no volume anterior quer neste, pode-se enquadrar no cyberpunk. angencialmente, claro, se comparamos com as narrativas mais fortes deste género. Tal como no cyberpunk, a elevada tecnologia permite que a maioria viva num mundo virtual. Mas enquanto meia dúzia possui todas as condições financeiras para garantirem as maiores mordomias, a maioria encontra-se num ciclo vicioso de dívidas e pagamentos.

Neste mundo, a saúde é privada. Como é actualmente na América . A doença de Marguerite (a companheira de Alma) leva-nos a visualizar uma realidade financeiramente destrutiva, em que a saúde é um negócio demasiado querido numa sociedade demasiado capitalista. Os tratamentos constantes atiram o duo para um buraco de dívidas que se torna o foco de muitas conversas e que suga grande parte da energia de ambas.

A crítica social não se fica pela saúde privada. Tudo é controlado por empresas multinacionais e até o Estado tem dificuldades em assegurar os financiamentos de que precisa para garantir uma sociedade funcional. Considerando que existe um desencantamento global com a realidade (por vários motivos) esta diminuição do poder do estado é também motivo para a fuga para o mundo virtual. E, como num ciclo vicioso, a fuga para o mundo virtual resulta num desinvestimento no mundo físico que resulta no menor poder do estado.

Aliás, é curioso como o mundo virtual parece não possuir uma estrutura governamental própria, sendo regulada por interesses privados, seja de empresas, seja de megalómanos que pretendem controlar este novo mundo. E esta componente parece ir na mesma linha de narrativas cyberpunk, em que existe uma mudança na ordem social. Mas aqui ainda não existe, propriamente, uma revolução e a maioria da humanidade parece encantada com as possibilidades do virtual. Apesar das dívidas, também não encontramos, visível, uma pobreza extrema.

Velocidade e agressividade são dois dos elementos que, não sendo uma característica específica de cyberpunk, costumam estar presentes na narrativa. A tecnologia extrema permite atingir novas velocidades e levar o corpo a novos limites. Aqui esta vertente é menos explorada, alternando episódios bastante movimentados (e que poderiam caracterizar-se como cyberpunk) com momentos introspectivos, necessários para a resolução de dois crimes.

Crime?

Crime fiction, detective story, murder mystery, mystery novel, and police novel: These terms all describe narratives that centre on criminal acts and especially on the investigation, either by an amateur or a professional detective, of a serious crime, generally a murder.[1]

in https://en.wikipedia.org/wiki/Crime_fiction

Os dois livros criados por Adam Roberts neste universo ficcional e futurista são, sem dúvida, dois romances de crime, histórias de detective em que decorre uma investigação para determinar quem assassinou. Neste caso, também a forma e, até, quem, são duas dúvidas que se colocam na mesa, numa perspectiva pouco usual.

Enquanto um dos casos nos apresenta um corpo, ainda que sem as normais possibilidades de investigação (é impossível contactar familiares e desconhecem-se factos concretos relacionados à pessoa ou à sua ocupação profissional), o outro estabelece-se como uma grande incógnita. Alguém morreu, mas não se sabe quem, nem como, nem porquê.

O que distingue este duo de livros é a utilização de elementos de ficção científica para apresentar lógicas diferentes das habituais. As armas do crime não são usuais, e o que estamos a ver nem sempre é o que parece – mas utilizam-se questões tecnológicas para compor todo o cenário, as causas e as motivações.

O título é, simultaneamente, uma referência a dois clássicos – By the Pricking of My Thumbs é um clássico de Agatha Christie que herda o título do poema existente em Macbeth the Shakespeare:

By the pricking of my thumbs,
Something wicked this way comes.

Opinião

Apesar das referências ao primeiro livro neste Universo, as histórias são de leitura independente. Sem infodump o autor introduz elementos sobre o relacionamento e o Universo que são suficientes para o compreender e, a partir daí, perceber os acontecimentos. A necessidade de tratamento a cada 4h limitam a acção da detective e provocam, por vezes, uma corrida desenfreada para voltar ao apartamento, através de uma cidade com mais robots do que humanos acordados.

Entre esta corrida a cada 4h e os habituais episódios de violência em histórias de detective, este livro apresenta um bom ritmo narrativo, garantindo a velocidade de leitura e a envolvência do leitor. Sente-se a urgência no retorno e sente-se o perigo com os confrontos onde a tecnologia tem um lugar de destaque.

Em pano de fundo, o relacionamento de Alma e a descrição da sociedade, apresentam elementos de interesse pelo paralelismo com a sociedade actual e pelas possibilidades de controlo económico que se podem criar com o desenvolvimento da tecnologia e dos mundos virtuais. O mundo construído é interessante e coerente, demonstrando-se como uma evolução do actual. Estabelece-se, simultaneamente, uma crítica e um alerta.

Neste segundo volume existem referências constantes a Kubrick, mais especificamente ao filme 2001, relacionando-se a narrativa com os casos em curso. Estas referências trarão um novo nível de interesse aos fãs do género da ficção científica, mas são exploradas de forma a serem acessíveis, também, a quem desconhece a obra referida.

By the pricking of her thumb é, simultaneamente, uma história movimentada e envolvente, que me manteve interessada ao longo de todas as páginas. Não esperem um romance profundo no extremo da ficção científica, mas uma história que cruza a ficção científica com o crime de forma competente para os fãs de ambos os géneros.