Considerada uma das pessoas mais influentes pela Time Magazine, Elena Ferrante é, também, uma das mais misteriosas. Sabe-se que o nome é um pseudónimo, mas quem a ele estará associado desconhece-se. Em teoria trata-se de uma escritora italiana, mas há alguns estudos ou investigações que apontam tratar-se de uma parceria entre vários autores. Entre as entrevistas e a sua obra percebe-se o vasto conhecimento literário, diz ter nascido em Nápoles e ter três irmãs.
Talvez devesse ter explorado esta escritora primeiro noutro formato, mas curiosamente, foi na banda desenhada que investi primeiro. Talvez porque o tempo do investimento fosse mais curto. A banda desenhada foi publicada em Portugal pela Relógio d’Água.
A Amiga Genial começa com a infância da narradora, mostrando os inícios da amizade que compõe o elemento central do enredo. Rafaella e Elena vivem no mesmo bairro de Nápoles, e juntam as bonecas em brincadeiras curiosas. Mas enquanto a narradora apresenta uma perspectiva mais inocente ou pelo menos mais contida, a amiga é a provocadora que espicaça a exploração de algo mais – ora o sítio proibido para onde atira a boneca para assim usar o pretexto para lá ir, ora os limites do bairro do qual não devem sair.



A narradora parece ir seguindo alguns dos passos da amiga. Ora por instigação, ora por vontade própria ou um género de pirraça interna. Nem sempre este seguimento corre bem. A narradora é menos bonita e menos atraente, ficando nas sombras, enquanto a amiga parece ser o alvo de todas as atenções. Mas enquanto uma se esforça por estudar, a outra descarta as possibilidades que lhe surgem, ainda que consiga concretizar disciplina com o mínimo de esforço e o máximo de aproveitamento.
Episódio a episódio, nota-se um desentendimento. Ou um afastamento. Vivendo no mesmo bairro é impossível não saberem uma da outra, mas com o decorrer do tempo, passam a possuir a dualidade de quem parece não se conhecer mas de quem já partilhou segredos e confissões. Os destinos, esses, serão curiosos – quase previsíveis e enfadonhos, algo medíocres e desperdiçados.
A visão inicia-se infantil. Mas nem por isso totalmente inocente. Sem referências adultas ou acusações sérias, percebemos que naquele bairro pobre, nem tudo é linear e simples. Alguns adultos trabalham arduamente. Outros parecem ser muito mais ricos e ter muito mais respeito dos restantes. Existe uma sombra que espreita sobre o quotidiano do bairro e sobre o destino das jovens. Algo que parece ser constante na narrativa e que nos faz esperar uma desgraça.



Mas afinal que têm estas duas jovens de especial? Nada e tudo. E diria que é aqui que A Amiga Genial se destaca. O foco encontra-se em duas jovens, peculiares e únicas em si, mas que não fosse a narrativa e seriam banais. Em suma, duas pessoas singulares, como todas as outras.
Em termos de banda desenhada, trata-se de uma adaptação competente. As imagens apesar de pouco focadas transmitem o movimento e o espaço, tornando desnecessárias verborreias. Visualmente, o resultado não me é dos mais agradáveis, mas cumpre o seu papel em criar ambiente e transmitir informação – uma aura um pouco experimental. O texto, esse, está reduzido ao essencial e neste essencial tudo se transmite.
