Esta série de livros, lançada em Portugal pela Editorial Presença, está a ser adaptada para série televisiva. Até este lançamento desconhecia, quer a série, quer o autor. Após uma pesquisa descubro que, para além de livros, o autor escreveu vários guiãos para cinema, como Beetlejuice. Em termos de expectativas, não sabia o que esperar, mas apresenta uma escrita fluída, um estilo muito visual e uma capacidade de ir colocando pequenos conflitos que movem a narrativa.

A história leva-nos a Perdido, uma vila no interior americano, onde as cheias mergulharam a maioria das casas numa mistura de água, lama e lixo variado. É neste cenário que dois homens num barco descobrem, no hotel semi afundado, uma desconhecida jovem ruiva que, de alguma forma, terá sobrevivido no edifício. Não sem danos materiais, dado que terá perdido todos os seus pertences, inclusivé o diploma de professora e documentos de identidade.

A sobrevivência da jovem, Elinor, em tais circunstâncias é um fenómeno estranho, mas entre a azáfama de sobreviver na igreja e de recuperar o edifício, não há muita gente que tenha dedicado muito tempo a perceber o mistério. Elinor atrai, como seria de esperar, as atenções de um homem solteiro de posses, para desprazer da mãe deste que o tenta controlar e manter em casa.

Mas, como percebemos rapidamente, Elinor não é uma jovem humana normal. Que tipo de criatura camuflada será não sabemos, mas há várias referências a uma afinidade extraordinária à água, sendo capaz de nadar nas mais fortes correntes, e adoptando um aspecto mais marinho quando mergulhada. A verdade que é, após o surgir de Elinor, sucedem-se diferentes fenómenos associados à água.

A narrativa alterna conversas entre os diferentes moradores e a apresentação de episódios diversos e, ainda que Elinor seja nitidamente a personagem em torno da qual a história se desenvolve, temos muitas poucas conversas onde ela seja a protagonista. Aliás, aquilo que diz é, por vezes, referido por outras personagens, compondo uma espécie de discurso indirecto que contribui para manter a personagem como um dos maiores mistérios da narrativa.

Percebemos, logo no início, que Elinor não é humana (ou totalmente humana) apesar da aparência, e que existem alguns fenómenos sobrenaturais que a rodeiam. Alguns habitantes da vila apercebem-se de algo errado, mas sem conseguirem concretizar exactamente o quê. Estes elementos sobrenaturais, de fantasia, ou até, horror, são escassos e bem pontuados, contribuindo para a criação da tensão na narrativa.

Para além destes, a existência de Elinor também provoca, na localidade, algumas tensões, que se vão tornando crescentes e levando a episódios de quebra mais abruptos. Inicialmente, a jovem fica na casa de um homem cuja esposa desapareceu (talvez vítima do vício da bebida na grande cidade) e estabelece fortes laços com a criança. Quando o sobrinho deste se apaixona por Elinor e acaba por casar com ela, a mãe, extremamente ciumenta, de tudo fará para os separar ou para atrasar o casamento.

Se esquecermos os episódios sobrenaturais que vão ocorrendo de tempo em tempo, a história quase parece retratar “apenas” o quotidiano numa vila do interior americano, com cochichos e partilha de segredos, e com um papel bastante diferente entre homens e mulheres – enquanto uns ocupam publicamente os cargos mais importantes, são sem dúvidas as mulheres que manipulam tudo o que de relevante acontece.

A forma como a acção decorre, numa espécie de narração que não deixa percepcionar os pensamentos, mas apenas as interacções e alguns diálogos, saltitando entre personagens e episódios onde se mostra apenas o estritamente essencial, leva-me a considerar que o autor utilizou, na sua história, alguns dos truques para a construção de guiões.

A história é cadenciada e movimentada, e o posicionamento dos episódios sabe causar mistério, envolvimento e tensão. Tudo com conta e medida, sem excessos, deixando correr a história, e colocando os elementos perturbadores dispersos para renovar o interesse do leitor. Não sendo um género que me agrade totalmente (as interacções conflituosas e as manipulações constantes não são algo que me desperte muito interesse), a forma como a história está escrita e os elementos sobrenaturais misteriosos captaram-me e decerto lerei o próximo volume.