A autora já tinha surpreendido com os seus dois primeiros livros. O primeiro, um livro de contos de horror num estilo mais clássico, com o título Conta-me escuridão, já apresentava uma escrita fluída e carregada de tensão, mas algo contida. No segundo, a autora torna-se mais arrojada e apresenta uma espécie de ficção científica, que intercala distopia com apocalipse e mundos paralelos. Já este terceiro, diria, pela sinopse, tratar-se mais de um policial, mas com a leitura constatei ser um pouco mais do que isso.

A narrativa começa por nos apresentar o Inspector Lobo em mais uma investigação criminal. O caso, abandonado pelos restantes polícias, continua a intrigar o Inspector por alguns detalhes. A personagem corresponde ao estereotipo dos investigadores policiais, um homem maduro e solteirão, destemido e, por vezes, bruto. Mas também capaz de boas acções.

Mas o Inspector Lobo é mesmo uma personagem – a personagem principal do livro de Afonso, um escritor que escreveu um policial de sucesso e que agora é forçado, por contrato, a escrever um sem fim de outras histórias. O sucesso na escrita tem, neste caso, um custo, levando-o a deixar para trás outros projectos literários que gostaria de fazer. Tal como a personagem, Afonso é um homem maduro, mas com uma namorada constante com a qual gostaria de ter um relacionamento mais estável.

Quando a namorada aparece morta, Afonso vê no acontecimento uma desculpa para parar de escrever os policiais – não por muito tempo. Ameaçado pela editora e pelas suas próprias personagens, vê-se obrigado a prosseguir. Qualquer reticência será eliminada com graves consequências na sua vida real.

A narrativa alterna entre a progressão do policial e a realidade do escritor, desenvolvendo ambas em paralelo, até porque estão interligadas. A realidade do escritor mistura-se com a das personagens, influenciando e sendo influenciado por elas. Este jogo, que já vimos em outros autores como Zoran Zivkovic (mas num contexto diferente), questiona o papel de criador supremo do escritor, e coloca-o como alguém que pode ser influenciado pela própria escrita.

No caso de Enquanto o fim não vem, juntam-se vários géneros, estilos e níveis narrativos. Num primeiro nível encontramos um policial curioso com uma progressão insuspeita e, até, algo futurista com detalhes deliciosamente desconfortáveis. Num segundo encontramos uma narrativa de contornos fantásticos. Ambas apresentam-se fluídas e carregadas de acção, num tipo de escrita cinematográfica (talvez derivada da prática em escrever guiões?) que capta o leitor e o faz prosseguir com velocidade. Não é por acaso que o li em dois dias, mesmo estando numa convenção de jogos de tabuleiro.

Ambas as linhas narrativas apresentam reviravoltas rápidas, coerentes e imaginativas. Mas acima de tudo, bem executadas, o que costuma ser raro – nem sempre a imaginação anda de mãos dadas com a calma para poderem ser desenvolvidas com o maior impacto para o leitor. Também em termos de personagens e interacções estas parecem ter sido resumidas ao essencial, possuindo papéis muito específicos para existirem.

Comparando com os livros anteriores, nota-se uma progressão na autora, com uma maturidade progressiva e um aumento de confiança que parece permitir uma maior exploração e inovação das ideias e das possibilidades narrativas. Em termos de execução, diria que este é o melhor dos três, ainda que em termos de ideias exploradas, o segundo seja mais o meu género.

Enquanto o fim não vem é uma leitura aconselhável a quem gosta de Thriller ou crime, e não se importa com uns toques de fantástico (ou surreal). Quem pegar no livro vai encontrar um page turner – uma narrativa fluída, graças à escrita da autora, mas também, da sucessão de ideias e de reviravoltas que vão ocorrendo.