
A Distrito Manga lançou, num único volume, a adaptação para Manga do romance autobiográfico de Osamu Dazai por Usumaru Furuya. A adaptação vai para além da conversão de formato, adaptando o romance original de 1940, conferindo-lhe características mais actuais. É uma obra intrigante carregada de dualidades, onde não existe propriamente um mau, ainda que vários dos acontecimentos sejam decadentes.
A história centra-se num jovem de elevadas posses que cedo percebe que se consegue apresentar sempre como agradável aos que o rodeiam, desenvolvendo uma personna apalhaçada que, mesmo quando é bem sucedido, apresenta humildade e até alguma fraqueza para que todos o tolerem facilmente. Esta tácita apresenta bons resultados na escola durante algum tempo.



Mas quando o jovem começa a tornar-se um pouco mais adulto, esta representação constante faz com que seja mais fácil procurar mulheres a quem paga por uma noite de prazer, do que uma namorada – é uma forma de deixar de lado a personalidade construída. Quando se envolve com um colega de vícios, começa a derivar do caminho escolar. Pouco motivado e sem objectivos reais, é capaz de se safar das situações mais difíceis pela constante apresentação de uma personalidade agradável.
Este afastamento da vida académica leva o pai a retirar qualquer apoio financeiro e a expulsá-lo do apartamento. É aqui que reparamos que a interacção familiar é diminuta e impessoal. Não existe aceitação nem carinho, nem presenciamos durante toda a história qualquer interacção amistosa com um membro da família. O irmão apresenta-se apenas para transmitir os recados do pai.



Talvez este afastamento familiar justifique a necessidade de desenvolver uma personalidade que agrade todos, estando na base da dualidade entre o que expressa e o que sente. A narrativa é apresentada sob a forma de um diário e percebemos pela voz do jovem que apesar da aparente simpatia e submissão, na realidade sente repulsa e desprezo. A narrativa vai apresentando uma desconexão com um mundo envolvente, que não consegue ultrapassar – as poucas ligações mais genuínas que tenta estabelecer estilhaçam-se facilmente.
A existência do jovem que se transforma em adulto vai seguindo um caminho progressivamente mais decadente – é uma espiral descendente onde passa de personagem aparentemente simpática, um palhaço como ele próprio se chama, para usar essa facilidade em cativar para manipular os que o rodeiam e os convencer a sustentá-lo. Sem contribuir positivamente, usando o pouco que ganha para seu próprio proveito, é um parasita que consegue manter a fachada dúbia que o continua a safar.



E ainda assim, consegue atingir uma época de aparente satisfação com a vida, onde a decadência parece dar lugar a concretização. Mas este estado não vai durar muito – não só porque o passado lhe bate à porta, mas porque acontecimentos que não controla vão desligá-lo do pouco que faz sentido. Num mundo de aparências onde desenvolve a sua própria máscara, o desvanecer de uma conexão verdadeira será o elemento catalizador.
Um Homem em Declínio não é propriamente uma leitura agradável e fluída. A personagem segue um percurso por vezes doloroso e incómodo, pondo a nu detalhes sobre a sociedade e sobre as interacções entre as pessoas que podem transtornar. Fala-se de vício (em várias vertentes), de instrumentalização dos relacionamentos e de sexualidade. Apresentam-se estereótipos, seja da sociedade, seja dos géneros e, no meio desta representação crua e distante, tecem-se deambulações existenciais que não são suaves. Ainda assim, é uma excelente leitura, levantando várias questões sobre as interacções sociais, sobre laços familiares e de amizade, sobre expectativas e perspectivas de futuro.


