Lançado recentemente pela Cultura, A Bússola e o Labirinto é o mais recente livro de Sebastião Alves, autor que, descobri após a leitura deste livro, tem vários outros publicados. Este, no entanto, pode-se encaixar num género de ficção científica com traços de distopia e revelou-se uma boa surpresa, apesar das reticências que tive com as páginas iniciais.

A história centra-se num académico, Zil, que escolhe um assunto polémico para sua tese de doutoramento – tão polémico que, apesar da sua genialidade, os professores se afastam quando descobrem o tema que pretende estudar. A saída vem com um professor mais esquecido, perto da idade da reforma, que lhe fornece alguma bibliografia que o encaminha na direcção pretendida. Convencido da importância do tema, o académico constrói a sua tese, não prevendo as consequências que poderá ter.

E que tema polémico será? O dos cromopatas. Na sociedade aqui descrita (e denominada como Labirinto), os códigos de cores são usados para várias indicações e encontram-se associados à religião vigente. Historicamente, houve um grupo de pessoas, denominadas de cromopatas, que tiveram um papel importante e próximo do rei, acumulando funções mais associadas à escrita e aos números. Com a religião a tornar-se progressivamente mais importante os cromopatas são demonizados e, exterminados.

Mas afinal, o que são os cromopatas? Nada menos que os daltónicos daquela civilização, pessoas que, numa sociedade que dá primazia às cores, não as conseguem distinguir. Séculos depois de terem sido exterminados e demonizados, ainda circulam, nos manuais escolares, representações que os retratam como fisicamente repugnantes.

A história oscila entre a perspectiva de Zil e a de Xov, um jornalista, amigo de Zil que recebe o resultado da tese e o publica num jornal conceituado. A partir daqui gera-se o pânico. Outros órgãos de comunicação, mais sensacionalistas, resolvem usar as conclusões de forma mais agressiva, impondo o medo do cromopata na população, perspectiva que é rapidamente apanhada por partidos populistas que usam este medo para o aumentarem e proporem soluções, absurdas, mas que, de alguma forma, fingem responder ao pânico instalado.

A história apresenta a demonização de uma parte da população, por razões religiosas (e, claro, usando o medo do desconhecido) tecendo-se preconceitos surreais e aliando uma característica inócua à representação de criminosos que seriam capazes das maiores atrocidades. Associa-se o daltonismo à existência de criminalidade, ainda que não exista nenhum estudo ou razão específica para tal.

Usando um medo irracional, os canais de notícias sensacionalistas aproveitam um estudo sério para terem audiências, sobretudo em alturas em que as notícias são mais raras, navegando a onda de pânico, instigando-o. Cria-se um monstro público que é instrumentalizado por partidos que, na verdade, não querem trazer a solução para o problema, mas ganhar eleições.

Pelo meio, a história refere ainda a desresponsabilização política, que usa as insinuações para alimentar o fulgor dos jornais jornalistas, se fazerem importantes, ao mesmo tempo que omitem e escondem todos os outros problemas que existem na sociedade. Neste caso, trata-se, também, da utilização indevida de um estudo científico, uma suposta credencial de respeitabilidade, não fossem as conclusões serem usadas de forma abusiva. Consequentemente, a população reage, com alarme, criando milícias, e dando poder aos partidos que fingem responder às preocupações.

Em pano de fundo, tecem-se, também, comentários às perspectivas de um determinado aspecto físico que este cromopatas (geradores de todos os males sociais) devem ter. Retratados como visualmente grotescos, é impensável que um homem de olhos azuis e bem parecido possa ser conotado como cromopata (ou melhor, possa ser, simplesmente, daltónico).

A história arranca de forma lenta. Do auge da sua personalidade não questionada, Zil está convencido da sua superioridade intelectual, demonstrada ao longo do percurso académico, achando que pode pegar em qualquer assunto sem sofrer consequências para tal, acreditando, de forma inocente que conseguirá ser a voz da razão face às deturpações realizadas pelos media. Engana-se, claro.

Mas depois de arrancar, e de ganhar força, a história ganha corpo e interesse, sobretudo pela forma como aborda vários assuntos actuais, colocando-os numa sociedade fictícia e baseando-se numa característica inócua para demonstrar o ridículo de alguns preconceitos. No final, surpreendeu, de forma bastante positiva.