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B. Traven é o pseudónimo sob o qual se escondeu um escritor desconhecido – certezas quanto à sua identidade não existem, apenas suspeitas. Sabe-se que terá vivido no México largos anos e que deveria ter nacionalidade alemã. Assim se explicam as histórias de mexicanos indígenas onde as novas crenças cristãs se misturam com as superstições dos índios.

Relembrando a cultura mexicana, esta capa traduz bem o conteúdo da maioria dos contos que mistura a presença dos mortes com o dia-a-dia pragmático de uma ideologia bastante diferente da nossa. O conjunto de histórias abre com o relato do culto indígena, em que um índio, tendo perdido o relógio que o distingue dos demais, faz promessas ao Santo António. Promessa atrás de promessa, gasto atrás de gasto. O índio farta-se de dispender dinheiro em troca de nada, e começa a ameaçar o Santo que, em troca, em nada o ajuda.

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Noutro conto um índio dirige-se ao médico da vila para que este lhe descubra a mulher desaparecida que terá fugido de casa. Esfomeado pela falta de alguém que lhe cozinhe o jantar, o índio não acredita que o médico não seja capaz de tão simples feitiço. Acreditando que a nega do médico se baseia no parco dinheiro que tem para lhe pagar o serviço, o índio dirige-se à aldeia difamando o médico como charlatão.

Na história que dá nome ao conjunto um homem de origens ocidentais instála-se num terreno inóspido, esperando fazer daquela terra os seus últimos dias. Para além dos índios os vizinhos são poucos, mas visita frequentemente um velho médico. Tendo este que viajar para tratar de uns assuntos, toma-lhe conta da casa e descobre os livros de mitologia índia que lê avidamente. Em pouco tempo começa a sonhar acordado com um estranho índio nobre que lhe pede auxílio numa questão que não compreende.

Em Macario reconta-se uma versão da história “O Amigo da Morte”. Um homem tendo feito um favor à Morte, cai nas suas graças e ganha um elixir para salvar quase qualquer pessoa. A excepção serão as pessoas que a Morte indica como perdidas sem exclusão. Com este elixir consegue fama e riqueza suficiente para sustentar e elevar toda a família – até que um dia é chamado pelo Rei que lhe dá a escolher entre salvar o filho enfermo ou cair em desgraça, despojado de tudo o que possui.

Se há algo a realçar neste livro é a escrita. Tendo lido uma tradução deduzo que tenha havido também grande cuidado na linguagem e isso nota-se. O cruzamento das mentalidades resulta em histórias caricatas senão cómicas, onde o aspecto prático da vida quotidiana se cruza com os crenças cristãs desenquadradas. Mesmo com receio do pecado, a mentalidade despreocupada conjugada com a fome e a pobreza, levam muitos a encarar a fé de uma forma pragmática que origina episódios peculiares. Em suma, um excelente conjunto de histórias pouco vulgares.