Eis, inesperadamente, uma das melhores leituras dos últimos tempos, realçada por não ter grande ideia da obra que iria encontrar. O início relembra uma sociedade quase medieval, cruzando várias histórias, em que cada uma se centra numa personagem. Lentamente, o leitor percebe que existe algo maior por detrás do cenário simplista apresentado inicialmente.
O primeiro capítulo apresenta-nos Abron, o filho de um tecedor de tapetes de cabelo, que, tendo frequentado a escola, aprende que existe algo mais do que tecer tapetes, uma descoberta perigosa num mundo de tradições bem rígidas e estrutura hierárquica bem definida: toda a economia do planeta subsiste em torno da fabricação dos tapeste de cabelo, e é uma heresia fugir da profissão que a tradição lhe impõe.
É na primeira referência a cabelo que quem lê se questiona se percebeu bem – para tecer usam-se apenas os fios de cabelo das esposas e filhas do tecedor. Um único tapete demora a vida inteira do tecedor até estar concluído e espera-se o único filho que pode ter (os restantes são mortos) construa o seu próprio, para vender no final aos mercadores. A tarefa terá um sentido quase divino pois espera-se que os tapetes adornem o palácio do Imperador, figura distante e adorada como que a um Deus a quem se atribui, até, o brilho do sol.

Em todos os detalhes do quotidiano o Imperador é uma figura permanente, de quem todos possuem uma foto e adoram, sendo qualquer sinal de rebelião ou dúvida divina recebidos com pena de morte. Mesmo assim circulam pequenos rumores de que o Imperador estará morto há 20 anos, fazendo com que alguns (poucos) percebem que talvez esta seja a razão do lento declínio que observam.
Entre as várias histórias, mais interligadas que os fios dos tapetes em que se centram, vamos percebendo que este planeta é uma microscópica parte do imenso império intergaláctico sobre o qual o Imperador governará. O papel irónico dos milhares de tapetes que vão sendo tecidos em vários dos mundos é um mistério que se adensa a cada capítulo, para ser percebido apenas no final, num planeta paradisíaco muito distante.
Cada capítulo é, em si, uma história completa e bem construída que vai fornecendo pistas para as restantes. Não falta a ironia da vida, nem os factos insólitos, numa perspectiva que poucas vezes é alegre ou até positiva. A forma como se vai construindo a história maior é sublime, fornecendo pistas para o lugar das personagens que vamos conhecendo.
No final, ficou-me a sensação de uma história excepcional que merece maior destaque do que parece ter-lhe sido concedido, talvez por não ser um trabalho de origem anglosaxónica, uma obra que parece quase esquecida.

Wow. Por aquilo que contas… não me vou esquecer 😛
🙂