
Traços de Giz não é uma obra recente. Publicado em 1993 em Portugal pela Meribérica / Liber, é uma das primeiras obras (senão a primeira) em que o autor explora uma narrativa mais linear ao invés de um conjunto de episódios relacionados para expor uma caracterização social.
Nota – Entretanto, desde a primeira escrita deste texto, o livro incorporou a colecção Novela Gráfica da Levoir com o jornal Público numa nova edição em capa dura.

Traço de giz parece, sobretudo, uma obra de homenagem, ou, pelo menos, uma narrativa que assenta na ideia de, A Invenção de Morel de Adolfo Bioy Casares. Tal como neste clássico a acção parece decorrer em dois tempos sobrepostos, um passado e um presente / futuro que se interligam, um inevitável e traçado, claro, enquanto o outro, desconhecedor, é arrastado, desnecessariamente, e cai na mesma inevitabilidade.
A referência é realçada pelo próprio autor que, logo no início, menciona a obra, em conversa (ou monólogo) entre as personagens. A segunda referência literária é a Antonio Tabucchi (com a frase “inutile phare de la nuit”) – cuja obra desconheço mas que me remete para o sentimento de que, apesar das pistas deixadas, não existe, até ao final, conhecimento suficiente para as perceber (mas aqui já entro em deambulações, até porque a frase pode ser, simplesmente, uma referência directa ao farol inútil que existe na pequena ilha).

Capaz de captar de forma genial a pobreza de espírito ou o pensamento machista que propicia alguns dos episódios, mas também a frustração do tempo que se perde inutilmente nas interacções entre dois possíveis amantes, Traço de Giz é um daqueles álbuns que precisa de duas leituras, à semelhança da sobreposição dos tempos – uma leitura quase inocente (não fosse a referência que nos alerta, dada pelo próprio autor) e uma segunda quando já conhecemos o final do ciclo.