Não é fácil falar de Essex County. Estamos a falar de uma obra final de quase 500 páginas, que alterna entre gerações de famílias e apresenta os relacionamentos sob várias perspectivas, em diferentes épocas. O cenário é desolador. Uma localidade rural de vivência dura e fria à qual as famílias se submetem ao longo de gerações. Já o resultado é esmagador – envolvente, cativante mas, também, incómodo. O tipo de incómodo que faz parte de uma grande obra.

O que causa incómodo em Essex County? Os relacionamentos difíceis entre familiares por desentendimentos ou acidentes, a incapacidade de ultrapassar os maus momentos e refazer relações – a cada nova componente sente-se um afastamento que não se compreende até à apresentação de episódios adicionais. Existem segredos profundos, segredos que marcam mas nem sempre podem ser revelados.

Este volume, que compila a trilogia Essex County (Tales from the farm, Ghost Stories e The Country Nurse), começa com a história de um rapaz que vai viver com o tio, com o qual tem uma relação distante, após falecer a mãe. Nem o tio está habituado a crianças, nem o rapaz está susceptível a uma nova autoridade, refugiando-se nas histórias de super heróis e vestindo uma capa para tecer as suas fantasias. Na loja de banda desenhada estabelece um estranho relacionamento com o funcionário, um ex-jogador de hóquei que ficou mentalmente incapaz após um acidente.

Alternando entre os momentos finais da mãe, a realidade cinzenta, e as grandes aventuras imaginadas pelo rapaz, esta primeira história está carregada de elementos sobre o relacionamento de todas as personagens – uns subtis, outros mais visíveis, mas que em conjunto nos fazem compreender a sua dinâmica.

A segunda história centra-se em dois irmãos que jogam hóquei, sendo que um deles consegue uma carreira profissional em melhores clubes. O outro irmão, o que ficou para trás e que teve de enveredar por outras carreiras, recorda, agora idoso, o companheirismo inicial, quando ainda jogavam no mesmo clube, e o conhecer a namorada do irmão – evento que irá marcar o relacionamento entre ambos numa sucessão de eventos inevitáveis mas que decepcionam o leitor pelo carácter dos acontecimentos.

Na terceira parte acompanhamos a vida da enfermeira que vai fornecendo mais detalhes sobre a vida de todas as personagens anteriores, sabendo o segredo de família do rapaz que vive do tio, e cuidando do irmão, agora velhote. Simultaneamente, conhecemos a história da avó da enfermeira, uma história bastante trágica e que marcou o passado daquela localidade.

Existem, claro, temas recorrentes, como o hóquei, uma prática desportiva comum que é, também, forma de fugir de um quotidiano e caminho de glória e dinheiro. Ou o quão desoladoras e frias são as regiões onde decorre a história fazendo com que seja igualmente duro o dia a dia.

Já as famílias possuem segredos, alguns que causam quebras nem sempre ultrapassáveis, pontos de ruptura que afastam irmãos e pais. Estes segredos são conhecidos por poucos e apenas a sua revelação consegue justificar a forma como os relacionamentos decorrem.

As desgraças são motor narrativo: acidentes de carro e de desporto, lesões mentais e físicas, mortes prematuras por cancro ou incêndios, traições físicas ou morais. E não são tão constantes quanto nos podem parecer, mas porque acontecendo uma desgraça na vida do indíviduo, o marca, passando a ser foco constante do pensamento do próprio ou daqueles que o rodeiam, e provocando fortes alterações comportamentais.

São todos estes elementos, os segredos familiares, as desgraças passadas, os difíceis relacionamentos que dão dimensão à vida das personagens retratadas em Essex County. As personagens ultrapassam a ficção e passam a ser pessoas com passado e densidade, pessoas que, tal como nós, se encontram e desencontram.