
Infame, sexualmente explícito e irónico – assim é este El Papa Terrible de Jodorowsky, conhecido pelas suas obras (quer em banda desenhada, quer em cinema) que pegam em elementos religiosos ou exotéricos para tecer histórias em que a sexualidade faz parte da existência mágica. Neste caso, o autor usa uma personagem histórica, para recordar os escândalos que envolviam a Igreja Católica e os seus representantes. El Pape Terrible apresenta personagens vis, corruptas, iludidas mas, também, visceralmente fascinantes.
A história
O Papa Júlio II foi Papa entre 1503 e 1513, tendo ficado conhecido pelo afastamento da família Bórgia, bem como por comandar exércitos, apesar das proibições da própria Igreja. Tal como era comum na época, teve várias amantes e, até, uma filha ilegítima. Nas artes, era mentor dos pintores Rafael e Michelangelo, tendo sido durante o seu papado que terá sido pintado o tecto da Capela Sistina.
Em El Papa Terrible, Jodorowsky usa este contexto e alguns factos verdadeiros da personagem para construir a sua história. Aqui, o Papa é homossexual, e usa o seu amante como forma de conseguir favores. Tal como na realidade, antagoniza os Bórgia, tecendo complicadas tramas políticas para os afastar decisivamente, enquanto beneficia a sua família, tal como ele próprio terá sido beneficiado pelo tio, que também tinha sido Papa. No entanto, estes benefícios não vão durar muito. Suspeitando que a própria família o prejudica por ganância, este Papa não irá fazer-se de rogado a responder violentamente.
De amante em amante, o Papa tem, também, como objectivo, fazer retirar os franceses que ocupam as terras italianas. Tal como aconteceu, também, aqui o Papa irá servir-se de uma espada e liderar exércitos, usando os seus poderes enquanto líder religioso para influenciar o resultado de batalhas e fazer temer pelos infernos. Paralelamente, envolve-se, também, com pintores conhecidos e influencia-os a aceitar projectos megalómanos.
Análise
El Papa Terrible é uma história visualmente brutal que usa toda a riqueza da Igreja católica para tecer fabulosos, mas moralmente decadentes cenários. Por detrás do ouro e das ricas vestimentas, depois das cerimónias religiosas, assistimos às mais diversas histórias de devassidão. Todos têm amantes e vícios, todos acumulam riqueza e trocam favores, todos se envolvem em intrigas e assassinatos. Alguns, no entanto, são mais bem sucedidos do que outros.
Este Papa integra, em si, esta dualidade questionável. Por um lado, usa o amante para obter favores, enquanto se envolve nas mais escabrosas teias de corrupção. Por outro, condena a perversidade dos Bórgia, bem como os vícios de alguns membros da Igreja. E até poderia depender, apenas, do lado do qual se encontram esses membros, mas toda a pompa que o rodeia faz denotar uma verdadeira dualidade de critérios.
A história não segue apenas o Papa, mas também outras personagens, principalmente quando recontam, a terceiros, os episódios de intrigas papais. Também estas personagens são devassas, podendo ser encontradas frequentemente em bordéis ou em outras companhias.
Apesar do tema religioso, este El Papa Terrible possui muito pouco misticismo ou influências alquímicas. Estes elementos, que podemos encontrar em álbuns como Os Filhos de El Topo, Metabarões ou Os Cavaleiros de Heliópolis, costumam ser característicos das obras de Jodorwsky. Aqui estão praticamente ausentes e mesmo as coincidências ou magias religiosas são raras e colocadas sobretudo como justificação para as batalhas ganhas.
Entre intrigas, casos amorosos e assassinatos, El Papa Terrible é uma história movimentada, onde se criar uma personagem caricata, exagerada nas paixões e na execução de planos. Apesar dos sucessos, o curso de acção parece a compilação de caprichos de um homem sedento de poder, que vai rumando de acordo com a paixão da altura.
Apesar de todo o peso dos acontecimentos, a leitura tem um tom ligeiramente caricaturesco, exagerando reacções e emoções. Este exagero é usado como contrabalanço a toda a tragicidade das sucessivas mortes, conferindo quase um tom cómico, principalmente quando focamos as expressões mais carregadas do que seria natural.
Conclusão
El Papa Terrible não é a melhor obra de Jodorwsky que tive oportunidade de ler, mas é uma excelente leitura. Neste caso trata-se de um álbum que reúne toda a história, com cerca de 200 páginas. A história é movimentada, com aspectos mirabolantes e exagerados (ainda que, comparando com outras obras do autor, estes aspectos se apresentem relativamente moderados), e o desenho é excepcional.