Este ano rondei as 290 leituras, sendo que 80% foram de banda desenhada (a lista de leituras pode ser consultada no Goodreads) – eis, portanto, as melhores leituras de Banda Desenhada!

Obras portuguesas

Planeta Psicose foi uma das melhores surpresas do ano! Obra de um autor que desconhecia, é uma leitura divertida, carregada de ironia e demência que diverte enquanto entrega uma ridicularização das principais teorias de conspiração. A narrativa é movimentada, com uma peculiar dose de humor e rapidamente entra para o top das melhores leituras do ano! Caso queiram, podem ler um comentário mais completo.

Também num tom irónico, mas mais sério, As pombinhas do Sr. Leitão apresenta uma subversão de todos os valores associados ao Estado Novo. A narrativa realça o cinismo do uso da religião e da família como fachada para a concretização de perversões, demonstrando as verdadeiras intenções dos que se escondem por detrás da fachada beata.

A terceira escolha é, também, cómica, mas afasta-se bastante do tom dos dois volumes anteriores. Covidiotas de Luís Louro é uma compilação de pequenos trechos de banda desenhada onde se ridicularizam as mais marcantes figuras dos seres humanos durante a pandemia de Covid, desde os negacionistas, aos que armazenam papel higiénico.

Umbigo do Mundo de Penim Loureiro e Carlos Silva parece ter passado meio despercebido entre os lançamentos internacionais de peso da Amadora BD. De autoria nacional, é o primeiro volume de uma série apocalíptica que decorre no futuro. Tensão e acção, este primeiro volume é introdutório às personagens e ao mundo, conseguindo não entrar em grandes descrições.

Menções honrosas

Homem voador é o mais recente livro de Álvaro, aqui acompanhado por José Pinto Carneiro. A narrativa é leve e divertida, centrada num homem comum que adquire a capacidade de voar. Apesara desta capacidade, o seu quotidiano não muda muito – e é onde menos espera que lá consegue perceber alguma vantagem em voar.

O Coração na Boca é um livro diferente, muito honesto na forma como o autor centra toda a existência na filha, falando de uma série de circunstâncias que rodearam um divórcio e o desemprego.

Por último, em A Revolta da Vacina, André Diniz mostra como o passado se refere, levando-nos por uma situação na história do Brasil onde a imposição de uma vacina levo a restrições e revoltas populares.

Melhor adaptação

Eis uma das melhores leituras do ano, senão a melhor. O Relatório de Brodeck encontrar-se-ia no topo de qualquer lista que pudesse criar. É uma história dura, que nos remete para os traumas da sobrevivência de uma guerra – não pela perspectiva dos soldados que nela lutaram, mas pela perspectiva das populações que tiveram de se transformar para sobreviver. Brutal e pesado!

A segunda escolha para esta categoria é o oposto – leve e divertida, apesar das circunstâncias da personagem principal. Ana dos Cabelos Ruivos é a adaptação do clássico que consegue cativar e trazer o espírito característico desta história. Os desenhos são algo toscos, mas encaixam bem.

Ficção científica

Grandville decorre num Universo alternativo onde os animais evoluíram no caminho da consciência tal como os humanos. Encontramos as mesmas cidades e os mesmos países num cenário Steampunk, onde Bonaparte terá conseguido conquistar a Inglaterra. A acção passa-se poucos anos após a independência inglesa, mostrando os ressentimentos que desenvolvem movimentos nacionalistas. É neste enquadramento político que seguimos um detective da Scotland Yard, um género de Sherlock Holmes que investiga crimes peculiares! Excelente!

Chninkel não está na secção errada. Ainda que pareça uma narrativa de fantasia, existem detalhes (que não posso revelar) que me levam a colocar esta história como ficção científica. Esta pequena série de três volumes apresenta-nos um planeta em guerra onde várias espécies sapientes se digladiam numa guerra quase eterna – bem, quase todas as espécies. Algumas servem apenas como escravos. É um caso do pequeno Chninkel que descobre um dia ser o escolhido – mas o que isso significa e que poderes tem, é algo que só a narrativa nos poderá mostrar. A história é irónica, colocando em perspectiva o papel da religião e dos deuses, com uma série de detalhes que são fabulosos – mas talvez não para todos os leitores.

How to Pass as Human não é bem uma banda desenhada e será escrito por um andróide que tem como tarefa passar-se por humano. Não conhecendo o seu criador e sabendo que não tem forma de carregar a bateria, vai escrevendo no diário as descobertas que vai fazendo sobre os humanos e a forma como se relacionam, quer no trabalho, quer nas amizades. É neste tom de observação ingénua que se tecem as mais interessantes teorias sobre os humanos.

Menções honrosas

Não tinha lido nada anteriormente neste Universo, mas a narrativa deste El Futuro que no fue pode ser percepcionada sem este conhecimento (ainda que vá à procura de fazer esta leitura nos próximos tempos). Nesta história o autor tece uma espécie de futuro com elementos clássicos dos anos oitenta, apresentando uma cidade com detalhes antagónicos. Por um lado exalta-se numa tecnologia de linhas muito clássicas, por outro mostra uma cidade que se tornou decadente nesta evolução, com uma crítica clara ao consumismo e à publicidade.

Historias de Taberna Galactica leva-nos a um futuro distante numa série de histórias curtas em torno de uma taberna no meio da Galáxia. As tiras possuem um humor muito negro (e caustico) com duras referências sexuais que ultrapassam em muito o politicamente correcto. Uma combinação de outra época que não vai ser apreciada por todos.

Cara de Luna surge com um tom muito diferente dos restantes livros. Apresenta uma sociedade futurista mas distópica, onde um grupo de ex-religiosos coloca no poder um homenzinho mesquinho e psicologicamente doente. É nesta ditadura semi militar, composta por idiotas e doentes, que surge um prodígio, um homem milagre capaz de sobreviver aos mais perigosos eventos e inspirar outros à resistência. A narrativa é de Jodorowsky (infâme, claro) e os desenhos de Boucq (caras feias, portanto).

Fantasia

Eis uma das mais extraordinárias epopeias fantásticas de todos os tempos! Bone, de Jeff Smith está, sem dúvida, no top 10 de leituras deste ano, em qualquer formato ou estilo. Uma história com detalhes fantásticos que consegue, simultaneamente, ser corajosa, simples e divertida, mas também grandiosa e deixar uma intensa sensação de saudade pelas personagens! Li a versão a preto e branco e recomendo-a intensamente.

Peter Pan foi uma das séries lançadas pela Asa em parceria com o jornal Público, tendo tido comentários menos favoráveis por quem não tenha lido o final. Loisel transforma a história de Peter Pan, levando-nos a conhecer um rapaz que (sobre)vive numa cidade suja e corrompida, onde as prostitutas andam pelos cantos e Jack o Estripador faz as suas vítimas. A mãe do rapaz é uma alcoólica e o pai desapareceu há muito, mas uma figura masculina está presente na sua vida que o ajuda a ver para além desta existência. O rapaz refugia-se no mundo da fantasia recusando-se a crescer como todos os adultos que o rodeiam. Uma narrativa dura apesar dos detalhes fantásticos que termina com um murro no estômago.

Menção honrosa

O Castelo dos animais é das séries em publicação que mais estou a adorar. A premissa remonta à Quinta dos Animais (Animal Farm no original) de George Orwell mostrando como os animais sobreviveram após a deposição dos porcos. Agora governados por um boi e um grupo de cães, são forçados a trabalhar com restrição nos alimentos e na lenha, passando fome e frio. Neste regime de medo, um pequeno grupo de animais resolve revoltar-se usando o ridículo e a resistência como arma.

Desconhecia a série Em Busca do Pássaro do Tempo, mas com este volume fui procurar as restantes histórias. Gostei da caracterização de personagens, da forma como se estabelecem e desenvolvem relacionamentos e da construção do Mundo. Vai ser um dos meus próximos investimentos.

Para quem conhece Drácula de Bram Stoker, esta adaptação não acrescenta muito em termos narrativos. Em contrapartida, é um livro visualmente marcante. O preto é usado de forma magistral e os desenhos ultrapassam muitas vezes a apresentação tradicional, sobrepondo visões com cenários reais, diferentes planos e expressões.

Ficção histórica

Contrapaso foi uma boa surpresa em 2021. Apesar de toda a publicidade feita pela editora não esperava encontrar uma história tão interessante que, ainda por cima, usa factos históricos. A narrativa inspira-se no El Caso, um semanário que se tornou conhecido ao apresentar peculiares peças jornalísticas. Através dos jornalistas, a autora mostra a verdadeira realidade por detrás das notícias perfeitas, explorando o lado negro do regime franquista, desde a acérrima defesa da diferença de classes, aos defeitos da perfeita família tradicional, temente a Deus.

Giant é uma daquelas leituras que, noutro ano, teria tido muito maior destaque. Mas apesar de todos os constrangimentos do COVID, 2021 foi um ano fabuloso e, como tal, Giant passou meio despercebido. Esta narrativa leva-nos a conhecer personagens ficcionais que poderiam encontrar-se na célebre foto Lunch atop a Skyscraper. Quem estes homens eram não se sabe, pelo que o autor constrói personalidades prováveis baseadas nos constructores da época – homens duros que deixavam os seus países pelo sonho americano.

Por último, El fotógrafo de Mauthausen remete-nos para a realidade nos campos de concentração, pela perspectiva de espanhol que viveu nos campos e teve a possibilidade de captar as mais horrendas fotografias. Uma história pesada e importante que termina de forma peculiar.

Menções honrosas

As narrativas centradas na Ditadura Salazarista são escassas, mas esta é a segunda seleccionada para esta lista. Neste caso, Ao Som do Fado, é um excelente retrato do período anterior ao 25 de Abril que recorre a conversas e detalhes no comportamento para deixar perceber o ambiente de censura e medo em que se vivia.

Por sua vez, El Papa Terrible tem inspiração histórica, mas está no limite do que é Ficção Histórica. Entre intrigas, casos amorosos e assassinatos, El Papa Terrible é uma história movimentada, onde se criar uma personagem caricata, exagerada nas paixões e na execução de planos. Apesar dos sucessos, o curso de acção parece a compilação de caprichos de um homem sedento de poder, que vai rumando de acordo com a paixão da altura. O desenho é bom, a narrativa é movimentada e a leitura muito agradável – mas para quem gosta do estilo de Jodorowsky.

Histórias de detectives

Reckless é uma das mais recentes séries de Ed Brubaker e Sean Phillips que já está no plano de edição da G floy para 2022. De cabeça quente, mostra um ex policial com tendência para se meter em situações violentas e quase impossíveis. A cada volume a personagem envolve-se em enredos de seitas, mafias e teorias da conspiração. Apesar dos clichés do género das histórias de detective, consegue um tom muito próprio.

Stumptown é outro bom exemplo das histórias de detectives, neste caso uma mulher que cuida do seu irmão deficiente enquanto investiga pequenos casos. Claro que cada investigação tem, no final, uma pequena reviravolta, mas o que se destaca (para além do espírito da detective) é a combinação das circunstâncias pessoais com a profissão.

Melhor Infantil

Entre Minecrafts e Disney, destacou-se este Maria Calafrio. Histórias curtas de uma página, com uma pitada de humor negro e retorcido, acompanhados por monstros e situações fáceis de perceber pelos mais jovens. É cómico e diferente!

Outras ficções

Apesar de desenquadrados nas anteriores categorias, estes quatro livros também estariam facilmente no meu top 10 do ano. Armazém central é, até ao momento, uma das mais envolventes séries de banda desenhada que já li, que vai construindo, lentamente as personagens. Quando nos apercebemos, já estamos cativados e inevitavelmente envolvidos no dia-a-dia de uma pequena vila no interior canadiano. Os desenhos são expressivos, as personagens imperfeitas e caricatas – e o conjunto é simplesmente adorável.

O Burlão nas Índias foi dos melhores livros que li na primeira metade de 2021. É uma formidável leitura rocambolesca, carregada de reviravoltas, que nos envolve na sua expressividade, e nos leva ao engano, tal como às personagens que Dom Pablo trapaceia. A narrativa é surpreendente e imaginativa, trazendo-nos uma história dentro de uma história, trocando detalhes e perspectivas. O desenho é excelente!

Aqui confesso que não li quase nada de Spirou. Tal facto não me impediu de apreciar A Fera, um livro em homenagem ao Marsupilami que nos apresenta um rapaz que acolhe qualquer animal. Sem pai, sofrendo bully pelos colegas, o rapaz vive sozinho com a mãe que o tenta educar da melhor maneira. Este A Fera destaca-se pela forma como nos leva a perceber as situações difíceis em que se encontram as personagens, levando-nos a sentir os seus receios e medos. Para além da fácil empatia, a qualidade visual é excelente!

Já o primeiro volume de O Combate Quotidiano apresenta-nos um homem jovem com dificuldades em socializar e em assumir compromissos. Sofre de várias ansiedades e refugia-se na fotografia. A história é, no entanto, ligeiramente cómica, transformando a situação dramática da personagem numa caricatura bem disposta e ligeiramente irónica.

Menções honrosas

Apesar de tudo é uma história curiosa pela forma como apresenta a narrativa, de trás para a frente, mostrando primeiro o final e depois a progressão dos dois apaixonados enquanto vivem vidas separadas. Apesar de tudo, é envolvente e fica na memória.

Blankets é uma leitura brutal. Talvez tivesse tido maior impacto se não tivesse lido Habibi antes. A história é autobiográfica, com o autor a explorar os traumas da infância numa família pobre mas muito religiosa. Não faltam os abusos, nem o isolamento. A criança torna-se homem e desenvolve a sua voz criativa, mostrando-se aqui como se liberta das crenças da juventude.