As memórias são falíveis. Aliás, as memórias nem sempre são memórias, mas reconstruções parciais ou totais da nossa própria mente. O passado como o recordamos é, pois, questionável, É nesta linha, entre a recordação, o facto e a memória que o autor expõe, neste livro, recordações de infância numa vila do interior espanhol.

A vida parece outra, carregada de referências e de costumes que hoje nos parecem estranhos, questionáveis ou até imorais. Os rapazes divertem-se com partidas idiotas ou a matar pardais, sem qualquer remorso. Era assim e ninguém questionava. Ao homem cabia o papel dominante e a mulher deveria ser recatada, silenciosa e simples.

Apesar da história decorrer numa vila espanhola, a verdade é que poderia ser portuguesa: o ambiente, o tipo de discurso, a perspectiva sobre a família, a religião, os costumes e a perspectiva fechada. Os brinquedos que se inventam, os adultos de postura rígida numa época em que o conceito de educação era outro.

Ronson não apresenta discursos moralistas. Não se trata de um “antigamente é que era bom”. É, antes de mais, um retrato de uma época e de uma forma de estar que se perde e do qual nos afastamos cada vez mais. Ao longo dos vários episódios retratados ou recordados vamos percebendo (e reconhecendo) o ambiente e a postura.

O desenho, realista e a duas cores, recorda um filme a preto e branco, um amarelado sépia que casa bem com o tema. A capa, com baixos relevos e o recorte lateral das páginas, são dois elementos de destaque na edição que complementam a edição.

O resultado é uma leitura cativante e curiosa, um baú de memórias e costumes que parecem remeter para outra cultura, de tão diferente que são da nossa realidade actual.