Quando peguei neste volume, desconhecia que se tratava do primeiro de uma série (ou trilogia – ainda não percebi quantos serão, mas por agora estão dois publicados). E ainda bem, pois terminei com a sensação de que gostaria de ver algo mais neste mundo.

A história

Todas as noites os caçadores saem para apanhar pesadelos que se materializam na floresta, num território bem definido. Os caçadores estão organizados em famílias com funções e premissas distintas, sendo que a cada dia da semana corresponde uma família. Toda a sociedade destes caçadores está organizado em torno da caça de pesadelos, com rituais de treino e de iniciação.

Winnie é uma jovem que está prestes a atingir a idade na qual deverá fazer o teste como caçadora. Mas ao contrário dos que a rodeiam, encontra-se afastada dos normais rituais associados aos caçadores, pois ao se descobrir que o pai era um traidor, toda a família foi colocada numa espécie de castigo por alguns anos. Ainda que não possa treinar devidamente, Winnie pode propor-se ao perigoso ritual de iniciação em que deve matar um destes pesadelos.

O ritual não corre da forma esperada, mas de alguma forma, os outros caçadores concluem que Winnie conseguiu matar um dos pesadelos, fazendo como que a sua família seja mais aceite na comunidade. Apenas Winnie sabe que foi outro monstro que matou o pesadelo mas quando tenta revelar a verdade, ninguém acredita que um novo monstro, mais perigoso e surreal, exista naquela floresta.

Crítica

A premissa é notoriamente YA. Winnie é uma jovem adolescente com preocupações de adolescente, ainda que pareça menos interessada nas conversas sobre rapazes e moda do que as outras adolescentes que a rodeiam. O drama pessoal que resultou da traição do pai faz com que tenha preocupações mais importantes e marcantes.

Neste sentido, Winnie é uma personagem persistente e lutadora, que vai sendo desenvolvida pela autora sem lhe dar muito mais densidade. Revela episódios de coragem, mas também decisões idiotas (realizadas no calor do confronto com os pesadelos), inseguranças e pesos na consciência. Não em demasia. E sem os dramas intensos que poderiam caracterizar esta narrativa. Ainda assim, é uma personagem mais de acção do que introspecção, revelando pouco capacidade de julgamento e raciocínio – menos do que seria suposto segundo a sua caracterização.

Felizmente, a maioria dos conflitos baseiam-se nas relações problemáticas com outros adultos e na investigação dos monstros que habitam nas florestas. Não deixa, claro, de existir um ou outro episódio de atracção não reconhecida conscientemente por um rapaz. E existe, também, um ou outro episódio onde conversa sobre uma futura festa. Mas tudo de forma contida.

Estas interacções com adultos e estes episódios de atracção não reconhecida deixam pistas para dois ou três segredos que serão facilmente perceptíveis. Ou pelo menos espero ver a confirmação da minha interpretação no próximo volume. Dado o desenvolvimento deste primeiro volume, não estou à espera de ver espectaculares revelações nos que se seguem.

A parte mais interessante do livro será a descoberta do mundo. É, em quase tudo semelhante ao nosso. Mas em determinados locais do planeta existirá uma névoa onde, todas as noites se materializam monstros. Segundo se percebe no livro, novos locais com névoa podem surgir, sendo que novos locais apresentam sempre um conjunto típico de pesadelos (ou monstros) onde encontramos sirens, lobisomens e vampiras. Com o “envelhecer” do local desenvolvem-se particularidades nestes monstros banais, bem como novos pesadelos.

A história é ritmada e move-se entre episódios de caça a pesadelos, treinos e interacções conflituosas. Nesse sentido a progressão narrativa é competente e consegue cativar o suficiente. O desenvolvimento tem alguns momentos previsíveis, mas gostei que a autora não tivesse criado uma personagem adolescente capaz de fazer tudo sozinha – não será verosímil. As restantes personagens oscilam. São quase todas lineares mas há algumas surpresas raras no meio do enredo.

Conclusão

Trata-se de um livro de narrativa YA que me cativou sobretudo pela premissa do mundo. Gostaria de ver esta realidade ficcional aproveitada para outro tipo de narrativas, mais maduras e desenvolvidas. A personagem principal não é das mais interessantes, mas também não é poderosa e capaz de tudo – falha, pede ajuda, enfrenta perigos e magoa-se a sério. A narrativa flui mas quase se resume a momentos de acção e de conflito. Não sendo uma das melhores leituras dos últimos tempos, deverei ler pelo menos o próximo volume para perceber como a autora desenvolve as potencialidades daquele mundo.