Samantha Shannon tem ganho especial atenção entre os leitores internacionais de fantasia, iniciando-se com uma saga de sete livros denominada Bone Season. Este volume, mais recente, é de leitura independente, ainda que ultrapasse as 800 páginas, e foi lançado em Portugal pela Desrotina, chancela que se tem destacado no nosso mercado com o lançamento de várias obras de especial relevância na ficção especulativa como Babel e Impostora de R. F. Kuang, ou Ceifador de Neal Shusterman. Mais recentemente, anunciou o lançamento de Café das Lendas de Travis Baldree.

Este volume segue várias personagens, em situações distintas e em vários locais distintos, saltitando de personagem em personagem. Temos, portanto, uma guerreira que se mascara na corte, enviada por uma outra nação para proteger a rainha, bem como uma estrangeira noutra nação que pretende tornar-se uma cavaleira de dragões, um alquimista exilado da corte ou um nobre que, dada a sua proximidade da rainha se vê lançado numa missão perigosa que pode não ter retorno.

Dada a quantidade de personagens que são o foco desta história, o livro demora algum tempo a arrancar. Aliás, diria que este é o grande defeito do volume, tendo demorado duas semanas a ler as primeiras 200 páginas, e três dias a ler as restantes 600. Durante estas primeiras duas semanas o processo de criação de empatia ou ligação para com as personagens foi demasiado lento e pouco compensatório.

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Felizmente, após estas 200 páginas, as personagens começam a passar por situações cada vez mais complicadas, fazendo com que se sucedam os episódios de acção, e a história ganhe finalmente mais ritmo e interesse, justificando-se assim a velocidade de leitura das restantes páginas.

Como seria de esperar, existe um inimigo que se ergue naquele planeta, um género de dragão dos infernos que pretende ser o novo Deus desta realidade. A última vez que se tentou erguer, 1000 anos antes, foi encantado e imobilizado, por duas mulheres poderosas que recorreram a artefactos mágicos. Mas onde estarão estes artefactos agora? E como neutralizar ou destruir o inimigo que traz consigo múltiplas criaturas reptilianas que, ainda por cima, conferem uma estranha doença aos seres humanos?

Cada personagem tem uma perspectiva única sobre uma parte diferente do planeta, mostrando como nações diferentes se odeiam com base em mitos distantes que impõem regras, preconceitos e distanciamento. A grande esperança de alguns é que, face a um inimigo único, estas diferenças milenares sejam postas de parte.

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Através das diferentes personagens acompanhamos a vida na corte e as diversas manipulações em curso, por diferentes pessoas para conseguirem favores e posições mais elevadas. Vemos, também, costumes distintos de local para local, percebendo-se o poder da tradição e dos hábitos.

O Priorado da Laranjeira tem vários elementos fantásticos diferenciadores. Sim, também tem dragões celestes e guerreiros de espada em punho. Mas apresenta uma fonte de magia curiosa, com três enormes árvores que produziriam frutos com poder, bem como diferentes animais maléficos que conferem uma variedade engraçada.

Existem magas guerreiras e seitas, bruxas velhas e dissimuladas bem como personagens sem poderes mágicos mas com elevada influência política, homens caídos em desgraça e nobres com receio de não estarem à altura do que é esperado deles. Este é, até, um dos aspectos que é comum a várias personagens – conforme vão tendo maiores responsabilidades, quase todos (pelo menos os “bons”) duvidam de si próprios e colocam-se em posições de fragilidade, como numa forma de auto-boicote. Este aspecto é, claro, um dos factores para a criação de empatia para com o leitor.

Curiosamente, esta narrativa fantástica centra-se em várias personagens femininas como personagens principais, tendo estas o maior papel na batalha que se avizinha. Ainda assim, existem algumas personagens masculinas interessantes e peculiares, mas de menos destaque. Existem, também, relacionamentos curiosos entre as personagens, ainda que alguns sejam mais descritos do que testemunhados por episódios que lemos.

Em suma, O Priorado da Laranjeira não é um livro perfeito, ainda que consiga perceber o seu sucesso. O arranque poderia ter sido um pouco mais rápido, havendo detalhes iniciais que poderiam ter sido cortados, proporcionando mais acção para algumas personagens e facilitando a entrada na leitura. Tem elementos fantásticos diferentes e constrói um crescente épico que, a meu ver, precisava de mais reviravoltas antes de fechar. Ainda assim, constrói personagens e circunstâncias interessantes, num mundo carregado de detalhes curiosos.