Eis uma daquelas leituras que teve excepcional recepção internacional e que andei a evitar. Talvez por parecer mais juvenil e simples. Com o lançamento em edição portuguesa, resolvi experimentar – e para além de ser tudo o que achava que era (a tal leitura juvenil e simples), é também uma leitura cativante, carismática e fantástica.

Na realidade descrita existem vários seres mágicos. Alguns semelhantes ou assumindo a humanos, outros distanciando-se em aparência, mesmo que, afinal, até tenham consciência e inteligência. De forma tangencial, parece que a narrativa decorre numa sociedade distópica, pelo menos na perspectiva das criaturas mágicas. Controladas pelo governo, existem orfanatos específicos para as crianças que revelam ter alguns poderes, existindo fiscalizações e regras muito restritas na forma como devem ser educadas e tratadas.

Linus Baker é um trabalhador do estado. Um homem que há 17 anos tem como missão deslocar-se aos orfanatos e construir detalhados reportes sobre a forma como estas crianças estão a ser educadas, tendo em vista o seu conforto e segurança. Ou pelo menos esta é a perspectiva de Linus, ainda que, como leitora, pareça que os relatórios de Linus estarão a ser usados de forma bastante diferente.

Solteiro, homossexual e acima do peso, Linus tem uma existência previsível, cinzenta e comedida, num pequeno apartamento que partilha com a gata, sem amigos nem familiares. Mas tudo isto muda quando é escolhido para uma missão secreta onde se deverá deslocar a um peculiar orfanato durante uma temporada longa, por forma a construir um relatório muito detalhado. Mas neste orfanato, tão diferente de todos os outros que já visitou, vai encontrar mais do que um trabalho de rotina.

Ligeiramente irónico, por vezes cómico na apresentação, A Casa no Mar Cerúleo apresenta uma narrativa que me recorda a escrita de T. Kingfisher, tanto pelo humor, como pela perspectiva peculiar das personagens, ainda que não tenha um tom tão negro quanto as histórias de T. Kingfisher conseguem ter. Linus é uma figura peculiar que fornece uma aura de boa disposição ao que lhe acontece, apesar de ser um pouco tacanho.

É uma leitura curiosa, original e fluída, com elementos de fantasia diferentes que resultam numa leitura leve que nem por isso deixa de ter uma mensagem. O mundo apresentado é caracterizado de forma indirecta, sendo percepcionado através dos relatos que nos vão sendo apresentados. Existem as mais diversas criaturas mágicas, desde fadas a humanos com poderes surpreendentes. Todos são controlados e ostracizados, ainda que, na perspectiva inicial da personagem principal, todos seriam cuidados.

A narrativa leva-nos a perceber a realidade através da interacção com crianças e pela forma como as crianças são tratadas. Todas deveriam ser protegidas e bem tratadas, principalmente estando ao abrigo do estado. E é sob esta máxima que nos vamos apercebendo (antes da personagem principal) que as circunstâncias não são o que deveriam ser, existindo preconceito e discriminação contra as crianças mágicas, que causam traumas físicos e psicológicos profundos.

Apesar de demonstrar esta vertente, a narrativa é, sobretudo fofa e empática. Cada criança possui as suas características distintas, algumas derivadas da sua vertente mágica, havendo necessidade de lidar com essas características de forma diferente. No entanto, estas necessidades não são respondidas pelo manual oficial, que instrui a tratar todas as crianças da mesma forma. Linus, habituado a seguir o manual cegamente, vai-se envolver no quotidiano dos jovens e ajudar a gerir as suas particularidades.

Diria que o grande defeito deste livro é a perspectiva limitada, que se centra nas crianças dos orfanatos, havendo uma exploração mínima da premissa daquele mundo que tem um grande potencial. Seria interessante perceber as consequências de ter, numa sociedade, adultos com poderes mágicos diversos. Ainda assim, na sua perspectiva limitada e consequente objectividade, é uma narrativa que apresenta um arco narrativo completo e satisfatório a vários níveis, em que o leitor torce para que tudo corra bem.

A Casa no Mar Celúreo é “mais” um livro no estilo fantástico positivo, que se centra na exploração e criação de relacionamentos entre personagens simpáticas, proporcionando uma leitura agradável e bem disposta que é recomendável a quem pretende uma leitura leve e fluída, com uma dose de originalidade, tanto na construção da premissa, como no desenvolvimento narrativo.

Personagens, na visão de Sameeksha Haste