Vi este livro a ser anunciado numa das revistas de banda desenhada que adquiri. Apaixonei-me pelo desenho e pelo conceito e pensava adquirir a obra em francês. Felizmente, entretanto, foi lançada em português, pela Asa, e não desapontou.
Um notário reformado, Anémée, delicia-se com as aventuras mirabolantes que um vizinho idoso lhe conta, do seu passado – um misto de Indiana Jones com mercenário militar, onde as circunstâncias são imprevisíveis, mas a personagem consegue sempre sair heroicamente ilesa. Até ao dia em que este vizinho idoso é encontrado morto no jardim.



A partir daqui, Anémée, que sempre viveu uma vida controlada e cinzenta em eventos, dedica-se a tentar encontrar um herdeiro, alguém da família do amigo que possar herdar o que tinha, e manter as suas memórias mirabolantes. Pegando nalguns detalhes vai percebendo que nem tudo o que lhe era dito era totalmente verdade e nesta viagem teimosa, vai desbloquear-se e conhecer um pouco mais de si próprio.
Durante a viagem o imaginário exótico do falecido amigo vai ser confrontado com a dura realidade. Até porque esse mesmo amigo vai assombrar a mente de Anémée, desenvolvendo conversas curiosas, entre refilanços e confrontos, enquanto o verdadeiro passado se vai desenvolvendo e Anémée vai interagindo com pessoas estranhas ou curiosas.



Tananarive é uma história que poderia ter sido escrita por Zidrou ou Lafebre (fazendo um comparativo com autores conhecidos no mercado português), agridoce na forma como contrasta a magia das narrativas mirabolantes proporcionadas por algumas personagens com a realidade que as rodeia, e terminando de forma pouco expectável num final que abre novas portas.
Um dos pontos fundamentais, claro, é o desenvolvimento das personagens que nos captam. Anémée contrasta com o seu amigo Joseph. Anémée, notário, previsível e de vivência cinzenta, parece empurrado para uma existência apática pela esposa que, no entanto, apenas quer o seu bem, mas o faz de forma controladora. Já Joseph aparenta ser um espírito livre e aventureiro, carregado de boas memórias, mas, também, irresponsável.



O resultado é uma leitura formidável e envolvente, que me cativou desde a leitura das primeiras páginas numa revista de banda desenhada, e que entrega uma história forte e movimentada, mas também agridoce, com momentos deliciosos pelo mirabolante expresso, e com momentos mais pesados de confronto e auto-descoberta.
