Eis um lançamento da Asa que parece afastar-se dos seus usuais lançamentos, principalmente em formato. Ainda que Quentin por Tarantino já tivesse sido lançado em capa mole, era um livro não ficcional apresentando a carreira do realizador. Este trata-se de um trabalho ficcional de Aimée de Jongh, autora que oscila entre a animação e a banda desenhada, com trabalhos que vão desde a banda desenhada de temática jornalística ao cartoon. Outro elemento que distancia este volume do usual catálogo da editora, é que se trata de uma história em volume único com quase 300 páginas. Da mesma autora está já planeado o lançamento, também pela Asa, de O Deus das Moscas.

Dias de Areia leva-nos à Grande Depressão dos anos 30 nos Estados Unidos. Para além da crise económica resultante da especulação financeira, as condições meteorológicas daqueles anos resultaram pobreza e fome. Estas condições tornaram-se particularmente catastróficas na região do Dust Bowl, uma região que foi caracterizada por seca extrema e, consequentemente, um pó fino que se entranhava em tudo e provocava doenças pulmonares letais.

A história começa por nos levar às ruas de Washington, onde John Clark, um jovem fotógrafo, procura emprego. Apesar das condições económicas e da baixa esperança, consegue um emprego jornalístico que o leva à região do Dust Bowl. Aqui terá como objectivo fotografar a situação catastrófica da região, não só documentando o que acontece, mas criando narrativas que possam sensibilizar as massas e conferir apoios estatais.

Mas se a missão parece bastante clara ao início, com a progressão da estadia, e ao envolver-se com os locais, percebe que há muito mais do que a simples catástrofe e uma lista fechada de fotos. Há questões de honra e de orgulho. Há história e legado. Há ligações, pobreza e humanidade. Tratam-se de elementos que, por um lado lhe dão força e perspectiva, mas que, por outro, o fazem estabelecer fortes laços que não o deixarão indiferente ao que vai acontecendo.

John Clark vai evoluindo a sua perspectiva e vai percebendo que a lista de fotografias encomendadas é uma simplificação, demasiado vazia de significado, apesar de bem intencionada. Uma simplificação consternadora que vai sendo progressivamente percepcionada como falta de respeito que pode provocar o sentimento de raiva e de injustiça – principalmente quando pode ser vista como a exploração de uma desgraça.

John Clark vai sofrendo uma evolução de perspectiva. Não só na forma como encara o trabalho jornalístico, mas também no seu envolvimento. Inicialmente neutro, afastado e até inocente na abordagem (apesar de bem intencionado), desenvolve empatia e até camaradagem, mas chega, claro, à dor e à revolta. John Clark deixa de ser uma mera testemunha ou fotógrafo para quase fazer parte da comunidade. Esta evolução de perspectiva, vivenciada pela personagem é transmitida ao leitor.

Dias de Areia é um relato impressionante. Não só pela catástrofe que vamos acompanhando, mas pelos vestígios que se vão encontrando, pelas ausências e pelos silêncios arrepiantes, pela empatia que se vai criando pelas personagens e pelas consequências, a que assistimos, do pó que se entranha em tudo. Nas casas e nos pulmões, nas vidas e, claro, nas mortes. A par com as ilustrações, belíssimas, e carregadas de pormenores significativos nas mais banais perspectivas visuais, encontramos as fotos de pessoas reais daquela época, que terão vivido naquelas condições.

Esta é, sem dúvida, uma das melhores leituras dos últimos tempos, quer pela componente narrativa, quer pela componente visual. A parte narrativa inicia-se de forma simples e inocente, colocando uma personagem que, tal como nós, não sabe o que vai encontrar. Já a parte visual surpreende pelo foco e pelo detalhe, contribuindo para a envolvência na história, e chocando com a apresentação de fotos da época.