Nomeado para o prémio Goodreads na categoria de YA, e vencedor de inúmeros prémios, Ceifador é o primeiro volume de uma trilogia que nos leva a um futuro pouco distante em que a humanidade venceu a mortalidade e a doença. Mas como controlar o número de pessoas a nível mundial? A história parece ter uma premissa interessante, e é de destacar o grafismo das capas da série.

A solução para o controlo populacional é, claro está, a morte. Mas se é possível viver para sempre, e todas as doenças conhecidas são tratadas automaticamente através de nanobots, de onde vem a morte? Dos ceifadores. Alguns humanos, selecionados, devem, de acordo com alguns critérios, eliminar algumas pessoas (de acordo com uma quota pré-estabelecida). Da mesma forma que atribuem a morte, também podem conferir imunidade, durante um ano aos familiares do abatido.

A realidade descrita possui alguns elementos adicionais interessantes. Supervisionando tudo e todos (menos os ceifadores) encontra-se uma entidade artificial que intervém em casos de crime (enviando brigadas) ou em casos de morte temporária (enviando equipas para recuperar os corpos e voltá-los à consciência) e que responde às questões de todos os seres humanos (excepto ceifadores) como uma espécie de wikipedia avançada.

Praticamente qualquer dano ao corpo pode ser recuperado usando nanobots e restos do próprio corpo, sendo um processo dispendioso que pode demorar alguns dias. A excepção estará na morte por fogo ou ácido que destruiria tanto os nanobots como o DNA, não restando, dessa forma, nada para recuperar.

A história centra-se em dois jovens que, vivendo vidas bastante diferentes, acabam por ser escolhidos, a contragosto, pelo ceifador Faraday como seus pupilos. Dado o poder que têm sobre a morte, os ceifadores são considerados como personalidades VIP, não tendo que pagar por nada, impondo a sua presença quando o pretendem. Tal nível de poder faz com que haja grande cuidado na escolha dos perfis. Pelo menos para alguns ceifadores.

Faraday escolhe Citra, uma rapariga que revela forte ética e vive com uma família unida e equilibrada, e Rowan, um rapaz pouco popular mas empático, que possui uma família disfuncional. Ainda que, inicialmente, o tipo de competição que existe entre ambos seja equilibrado e saudável, a situação toma contornos doentios quando, no seguimento de uma conferência de ceifadores, é decidido que só um sobreviverá e que aquele que conseguir ser ceifador terá de colher o outro.

Focando-se em personagens jovens, a narrativa consegue apresentar a dose apropriada de drama, mostrando como os dois crescem e assumem preocupações mais adultas com a dura missão a que são submetidos. O caminho como aprendiz de ceifador é exigente do ponto de vista mental e físico, com o decorar de vários tipos de venenos (e outras formas de eliminar pessoas) e com práticas marciais constantes.

A caracterização das personagens não é exaustiva. Aliás, inicialmente até é reduzida, com a apresentação de pequenos episódios que nos mostram as suas principais características. Mas é o suficiente e vai sendo confirmada e fortalecida com novos episódios ao longo da narrativa. Sendo um livro YA, onde o ritmo é importante, diria que existe equilíbrio entre a acção e a caracterização, resultando num ritmo interessante – não excessivo, mas o suficiente para que a leitura vá acelerando com a progressão da história. Não é propriamente um page turner, mas cativa o suficiente para ter pegado no segundo volume logo a seguir a terminar este.

A par com a caracterização ou momentos mais pausados, existe alguma acção e tensão, bem como pequenos segredos (de diversas personagens) que vão sendo apresentados e explorados. Existem, também, momentos mais introspectivos ou informacionais que ajudam a compreender um pouco melhor as regras deste futuro.

A narrativa consegue ir surpreendendo, com o apresentar de novas reviravoltas quando achamos que está estabelecida a base para a progressão da história – reviravoltas estas que agudizam ou se sobrepõem ao conflito inicial, tornando-o progressivamente menos relevante.

Pegando neste volume como ficção científica, existem vários elementos interessantes e bem explorados, ainda que existam, também, detalhes tecnológicos pouco desenvolvidos ou pouco explicados. Diria que uma das componentes mais curiosas (que é explorada tangencialmente) é a questão sobre o sentido da vida – num mundo onde tudo se conhece, onde a imortalidade é uma realidade e a doença deixou de existir, qual o objectivo? A que podem aspirar as pessoas? De onde vem a concretização? Saindo do núcleo dos ceifadores vemos esta questão abordada com algumas personagens secundárias que, naquela realidade, parecem estar estagnadas.

Ceifador é o primeiro volume de uma trilogia YA, que consegue surpreender pela fluidez da narrativa, ao usar uma premissa de ficção científica e ao desenvolver uma sociedade que, tendo algumas semelhanças com a nossa, parece ter atingido o auge daquilo a que podem aspirar os seres humanos. Que tipo de futuro pode existir neste futuro? Esta é uma das questões que, dadas as primeiras páginas do segundo volume, parece-me que será desenvolvida com a progressão da história.