E eis que surge mais uma distopia de autoria portuguesa. Desta vez, a premissa não se encontra nos constrangimentos ambientais ou no isolamento e quebra de comunicação entre pessoas diferentes, mas pela imposição da reparação histórica – uma premissa perigosa, mas que o autor navega subtilmente.

A história centra-se numa sociedade baseada no sistema de culpa – não só pela culpa herdada, mas pela pertença a grupos socialmente maioritários. Ou seja, um homem branco, heterossexual e de boas famílias, estando em vantagem em relação aos restantes membros da sociedade, deve assumir uma declaração de culpa e demonstrar acções que minimizem essa vantagem.

A Brigada da Culpa começa por nos mostrar Reinaldo, um homem divorciado que encaixa nas categorias acima assinaladas, e que, ainda por cima, além de formação superior, tem uma propriedade com a qual faz um dinheiro extra. Chegando ao final do dia a casa encontra a Brigada da Culpa que lhe dá a conhecer os detalhes dos quais é culpado, fornecendo, também, uma lista de actos para se redimir. Alguns fáceis, já outros são de execução mais peculiar.

A perspectiva saltita entre Reinaldo e outras personagens, como alguém pertencente às Brigadas, ou uma mulher, também ela socialmente culpada, fornecendo, dessa forma, uma compreensão mais global do sistema. Percebemos que, nas aulas, a importância dos factos é menor, havendo antes espaço para outras deambulações que apelam mais ao sentimento do que à razão.

A premissa é, portanto, perigosa – no sentido é que poderia ser fácil entrar em detalhes racistas ou misóginos. A opção do autor foi criar um tom irónico ao criar circunstâncias exageradas, navegando nas subtilezas das situações que apresenta, sem realmente ultrapassar a linha do politicamente correcto, mas estando muito perto.

Para tal, desenvolve personagens quotidianas que reconhecemos, homens e mulheres que vivem centrados no seu dia-a-dia, contornando as regras vigentes. Quem está nas brigadas possui formas de contornar as armadilhas argumentativas, mas existe também quem recorra a favores para enaltecer uma carreira. Já do lado dos comuns cidadãos, vão-se arranjando formas de contornar a reparação, seja pelo estabelecimento de contactos bem colocados, seja pela aceitação fingida de uma culpa que não reconhecem.

A Brigada da Culpa é, portanto, uma leitura peculiar e curiosa, que muitas vezes toca em questões morais complicadas e gera algum desconforto, ao criar uma sociedade onde a reparação histórica foi levada ao extremo.