O autor de obras como Armazém Central, explora, neste volume a solo de grande dimensão, uma temática mais pessoal, mostrando como o trauma de vários anos pode ecoar na sua vida, ainda que o pensasse apagado e enterrado.

A história explora uma tragédia familiar bastante próxima que decorreu durante umas férias, quando o irmão morre atropelado por um carro de alta velocidade. Na época, sem telemóveis, o socorro tarda em chegar. A narrativa vai saltitando, fazendo rever o momento, mas também mostrando os momentos felizes que antecedem o momento, bem como a família tenta voltar à normalidade, ainda que esta, na verdade nunca seja totalmente atingida – pelo menos a normalidade que conheciam anteriormente.

Cada um dos membros da família carrega o fardo de forma diferente. Alguns enterram-no, bem profundamente, com pesados sentimentos de culpa. Outros estabelecem um ritual de recordação anual, outros aproveitam a mudança da idade que se aproxima para se afastarem e fecharem sobre si próprios. No entanto, pode-se concluir que todos são afectados pelo problema.

Trata-se de um relato tocante e pesado. Por um lado, o autor está a lidar com o luto, vários anos depois do acontecimento, percebendo que este o afectou mais do que julgava. Talvez por isso, existem momentos de escassas palavras, onde percepcionamos os sentimentos ainda que estes não sejam narrados em voz alta. Há coisas que se transmitem melhor pelos silêncios, tendo a própria narração do acontecimento um tom que transmite a necessidade de se ser objectivo.

Com a apresentação deste livro, o autor parece simultaneamente aceitar e expurgar a perda, com uma homenagem ao irmão, cuja memória fica assim eternizada. Mas não só do irmão. O autor não apresenta só o acidente, mas retrata todos os membros da família, bem como as circunstâncias em que decorriam as férias e, até, a situação de divórcio dos pais.

O meu irmão é uma obra de não ficção dura que apresenta a perda de um familiar em tenra idade, em circunstâncias pesadas. É uma leitura necessária que apresenta a fragilidade humana, um testemunho onde o autor se expõe e onde assume a perda do irmão. Sem dúvida, um dos melhores livros deste ano.