Após a leitura do primeiro volume, Marie (do qual já falei, comparando com a edição da Casterman), eis que fui prosseguindo lentamente pelos restantes volumes da série, até ao sétimo, tornando-se numa das leituras favoritas deste ano.

Esta série foi lançada inicialmente pela Asa em Portugal, mas entretanto, foi adoptada pela Arte de Autor que, não só lançou os novos volumes, como reeditou os primeiros.

A história

Marie vive numa pequena vila no interior do Canadá. Ficou viúva relativamente jovem, mas sentiu despertar-se novamente para a vida com a chegada de Serge, um forasteiro que, para além de a ajudar, inaugura um pequeno restaurante. Serge é um homem diferente dos outros – em mais sentidos do que Marie percebe inicialmente.

A vida nesta pequena vila é pacata, mas bastante comunitária. Todos sabem da vida de todos, sobretudo um pequeno grupo de velhotas beatas que tenta influenciar o novo padre de acordo com o que acham estar correcto ou errado.

Crítica

A história é contada pelo falecido marido de Marie que a observa, ainda que faça poucos comentários. Na prática, é como se seguíssemos Marie e outras personagens para obter uma visão mais abrangente. Desconhecemos os pensamentos, mas assistimos às conversas e a outros momentos fulcrais.

No decorrer dos vários volumes vamos percebendo como decorre a vida em comunidade. Cada um tem um papel a exercer, e Marie é uma peça fundamental, tanto por tomar conta do Armazém Central (a única loja da vila) como por possuir uma carrinha com a qual ajuda os restantes habitantes, sobretudo para urgências médicas.

Mas a vida em comunidade não é só parceria. Estando as existências interligadas, todos se metem na vida de todos, sobretudo um grupo de velhotas beatas, que, entre os ciúmes de uma vida que já não podem viver e a camada de religiosidade, se acham na posição de julgar tudo e todos.

Apercebemo-nos, também, da sazonalidade, com os homens a partirem para o comércio de peles por longos meses, voltando sujos e pouco civilizados. Esta existência, no meio da natureza, é, para além de dura, perigosa, estando sujeitos a ataques de ursos ou outros acidentes. Após o retorno dos homens existe um período de adaptação, tanto por parte dos homens, como daqueles que ficaram na vila e agora os recebem.

Ainda que a história seja, sobretudo, focada, na dura vida da vila no interior do Canadá, vislumbramos, por breves momentos, a glamorosa visa nas cidades: o charleston está na moda, bem como novos vestidos e penteados.

Mas tudo isto é contexto, ou enquadramento. O ponto fundamental de Armazém Central são as personagens. E não apenas Marie. Cada uma é caracterizada de forma especial, mostrando complexidade e dimensão. A cada uma são dados detalhes específicos que a fazem única e envolvente – por vezes, de forma caricata; e apesar dos dramas que vivem, é impossível não ler sem um sorriso!

A par com o texto, os desenhos são fabulosos. As paisagens são realistas, mas, ainda, assim, as personagens destacam-se pela sua expressividade. As posturas são fluídas e a sucessão de imagens transmite movimento e emoção. As expressões estão carregadas de sentimentos e percepcionamos parte da narrativa pelo que nos apresentam.

Conclusão

Armazém Central é uma leitura fenomenal. Mais suave do que outras leituras de Loisel (Peter Pan é muito bom, mas torna-se psicologicamente pesado e El Gran Muerto está impregnado de urgência constante) torna-se cativante por todos os aspectos, quer narrativos, quer visuais. É fascinante e envolvente! Sem dúvida uma grande leitura!