
Nomeada para diversos prémios com diferentes obras, Annalee Newitz é a autora de The Terraformers, um livro que adorei e que conta a história da Terraformação de um planeta, centrando-se em três personagens distintas que se encontram em três momentos decisivos. A autora é bem sucedida na caracterização e na criação de empatia (ainda que gostasse de ter um maior foco nas personagens do que no impacto da sua existência no processo), destacando-se na forma como apresentou o papel das grandes (e corruptas corporações). Aqui a sinopse promete algo mais engraçado e leve, um género de história de ficção científica confortável. E entrega.
A história começa por nos apresentar um grupo de robots que se depara com uma realidade instável. Os donos do restaurante no qual trabalham fugiram do país no seguimento de uma negociata com cripto. Com os contratos a finalizar e com a ocupação ameaçada, os robots decidem reabrir o restaurante com um propósito real – ao contrário das fachadas anteriores que forneciam comida intragável, desenvolver um produto que seja bem recebido pelos humanos.
A combinação de valências é diversa. Há um robot especializado em alimentação, um com tendência para os negócios, e outro que possui a capacidade de atender o público. Para complementar, conseguem o apoio de um humano que serve de apoio – dado que robots não podem ter legalmente um negócio seu.
A história começa por apresentar um mundo num futuro pouco distante onde decorreu uma guerra. Os Estados Unidos farão parte de um mundo à parte, havendo algumas dicas de que será literalmente um faroeste futurista. A sociedade da história apresenta, portanto, características de uma sociedade sobrevivente, com recordação dos tempos mais difíceis com mortes, traumas e carências de produtos, havendo agora uma busca por alimentos mais desenvolvidos em termos de sabor.
É nesta realidade que existem bots, robots e outras entidades artificiais, com alguns direitos mas não iguais aos seres humanos. A narrativa é bastante humanista em relação a estas entidades artificiais (o que apresenta algumas semelhanças a The Terraformers) apregoando os direitos destas entidades e demonstrando como podem ser semelhantes a seres humanos, trabalhando a empatia e colocando-os em situações equivalentes a outras que reconhecemos – como a escravidão de algumas populações de seres humanos.
Neste aspecto, a narrativa explora a discriminação contra os robots e os seus direitos, mostrando como se desenvolvem campanhas de ódio para ameaçar um negócio que os empregue, neste caso, renomeando o restaurante de Authentic Noodle para Automatic Noodle. Para além do principal impacto económico, a campanha de ódio afecta psicologicamente as entidades artificiais, colocando-os num estado de depressão e recordando outros traumas. A narrativa passa então por demonstrar o desenvolvimento de uma estratégia mais inteligente, com desenvolvimento de sentido de comunidade e de identidade, por forma a ultrapassar as oposições que os prejudicavam.
Automatic Noodle encontra-se na mais recente onda de narrativas confortáveis onde uma personagem, ou grupo de personagens, resolve implementar um negócio, desenvolvendo um local que seja acolhedor ao mesmo tempo que passa por dificuldades – até perceber e definir uma identidade própria que permita criar a sua própria fatia de clientela fiel. Nesta onda de narrativas, Automatic Noodle é a primeira que leio no género de ficção científica, conseguindo concretizar o intuito com sucesso, e tornar-se uma leitura positiva e acolhedora, apesar dos tópicos mais negros que vai abordando.