Vencedora de dois prémios Nebula, um Locus, e um BSFA, Aliette de Bodard é um daqueles nomes que, até há bem pouco tempo, não me tinha despertado interesse. O que mudou? Aparecer na lista de autores convidados para a Eurocon de Barcelona. Com o aproximar do seu próximo livro a publicidade levou-me a experimentar este pequeno volume que contem duas histórias da autora, e que, no meu entender é poluído por tentativa adicional de publicidade – excerto de uma obra e bibliografia. Sim – cada vez gosto menos de excertos forçados goela abaixo, principalmente por já ter lido alguns incauta.
Mas esqueçamos este detalhe. As duas histórias são bastante boas, debruçando-se em duas civilizações em êxodo, embora com motivos diferentes. Na primeira, Scattered Along the Rivers of Heaven, uma jovem regressa à cidade natal para o enterro da avó, uma cidade carregada de nanotecnologia que é comandada por uma poderosa família que aproveita para constituir um pequeno império de hierarquia quase feudal.
Apesar do ambiente forte em tecnologia numa sociedade não ocidental, a história, bastante menos linear do que faço parecer e bem construída, não se realçou no Universo de histórias que tenho lido anteriormente. (SPOILER ALERT – texto em itálico que se segue). Sem ter verdadeiras consequências, do ponto de vista da personagem principal o mundo irá continuar como antes, sendo as suas origens uma recordação distante que não compreende e pela qual não possui grande interesse.
A segunda, Exodus Tides, interessou-me bastante mais, centrando-se numa rapariga que se vai apercebendo que, apesar de viver em França, esta não é a origem da sua família. A cada visita ansiada o tio traz-lhe tesouros do mar e entre os sussurros dos adultos constrói uma imagem romanceada do pai, responsável pela salvação da civilização sub-aquática em que terão tido origem.
A criança transita rapidamente da inocência infantil para a adolescência, apercebendo-se que nem todos os heróis possuem uma espada para lutar, e que nem todos os actos corajosos se resumem a lutas contra monstros; e que o seu quotidiano é marcado pelo receio de serem descobertos como diferentes daqueles que os rodeiam, oriundos de uma outra civilização.
Apesar da leitura não ter tido origem na recente confusão dos prémios Hugo, a verdade é que é bastante adequada ao tema, principalmente depois de lermos o artigo, da autora sobre o tema, em que apresenta a iniquidade na literatura de género, centrada em vozes padronizadas de autores homens, brancos e heterossexuais.
Pessoalmente acho interessante ver histórias com diferentes perspectivas e culturas. Lendo neste contexto ou fora dele (com foi o meu caso), ambas as histórias nos apresentam personagens pouco usuais: num uma jovem de origem asiática que não se revê na cultura de origem, no outro uma criança em que, crescendo, começam a despertar interesses diferentes.
