Incluído na colecção comemorativa dos 25 anos da Vertigo (e publicado em Portugal pela parceria Levoir Público) Jesus Punk Rock é uma narrativa pesada e desafiadora, que parte de uma premissa algo simples para fazer uma crítica social, religiosa e, até, cultural.

O início é simples. Um homem resolveu clonar Cristo e criar um reality show que acompanha o seu crescimento, induzindo a criança a acreditar que será capaz de todos os milagres que o Jesus Cristo original. Para que este projecto seja possível arranja uma jovem em apuros financeiros que se sacrificará para dar à luz a criança, uma cientista que tem como objectivo paralelo desenvolver uma nova espécie de algas capazes de limpar o ambiente, e um guarda-costas que outrora pertenceu ao IRA. Esta equipa tão diversa permite que o autor explore várias perspectivas e vários passados, dando maior solidez a toda a narrativa.

Ainda que afirme outro tipo de interesses, o produtor de reality show tem óbvios interesses monetários. Para cenário do reality show escolhe uma ilha isolada, um local fácil de controlar. Este produtor não resiste a jogos emocionais e chantagens, manipulando todos os membros da equipa, enquanto acena com consequências. Aliás, a escolha dos membros da equipa terá sido feito exactamente pela forma como os pode controlar.

A jovem mãe, grávida de um clone de Jesus Cristo (se realmente o é, é algo que será discutido ao longo da história) é a sacrificada. A família poderá ter alguma liberdade monetária, mas este mãe será aprisionada na ilha, tendo como único objectivo a criação de um fenómeno científico e religioso, uma combinação que se tornará explosiva mesmo longos anos depois do nascimento da criança.

Por sua vez, o guarda-costas que já pertenceu ao IRA tem um passado pesado. O pai faleceu em resultado do seu próprio tiro, e acabou por ser criado pelo tio, um pesado operacional do IRA que o educou do mesmo modo, entre formações de armas e técnicas marciais. Mas alguma coisa o terá feito voltar costas ao IRA e prometer proteger esta criança. O percurso desta personagem vai sendo apresentado como forma de explorar as motivações do IRA e a forma como opera, utilizando uma forte componente religiosa.

A existência desta criança não será calma. Entre o seu nascimento e a adolescência serão vários os manifestantes, atentados e reviravoltas que levarão a criança a percorrer um percurso entre a inocência de acreditar que é divina (e com a capacidade de executar milagres) e toda a força da revolta em perceber que o que o rodeia está corrompido pelo poder camuflado de ardor religioso.

Passo a passo, este volume utiliza a premissa para ir desmontando o que está por detrás dos interesses religiosos. Os valores indicados por Jesus Cristo não são revistos no modelo seguido pelos que se dizem cristãos, que tentam lucrar com a actividade religiosa e que, ao invés de amar o próximo, propagam mensagens de ódio em relação a todos os que são diferentes – a criança que será um clone de Jesus Cristo até terá a cor de cabelo, pelo e olhos alterada para ter um aspecto mais ocidental.

Mas neste volume debatem-se outras componentes. Como o limite para um reality show. Até que ponto o que realmente manda é o dinheiro e o poder que dele resulta, e como se justifica toda a manipulação da vida das pessoas. Por outro lado, que espécie de sociedade segue um programa que canibaliza a existência dos outros?

De forma tangencial também se podem tecer algumas considerações sobre o movimento punk – como surge a revolta e a necessidade de quebrar com as autoridades vigentes. Neste caso, a personagem principal, o jovem, cansa-se da hipocrisia que o rodeia e decide utilizar toda a sua força no sentido contrário para o qual o destinam.