Não é por acaso que a dupla Filipe Melo e Juan Cavia faz sensação no mercado português – ultrapassando o primeiro (bom impacto) com a capa dura e a lombada cosida somos presenteados por uma narrativa balanceada, uma história fabulosa e um desenho expressivo. E se já tinha achado que Comer Beber eram excelentes narrativas, apesar de demasiado curtas, esta Balada para Sophie ultrapassa todas as expectativas e apresenta-se como uma obra ao nível das melhoras internacionais, sejam do mercado francês ou inglês – é uma das melhores leituras do ano, se não, até, dos últimos anos!

A História

Balada para Sophie começa por se centrar numa jovem jornalista que pretende entrevistar um famoso e idoso pianista, Dubois. A recepção não é o que esperava, e em menos de minutos vê-se corrida da ausência do entrevistado. Focada no seu objectivo, a jovem passa a noite à porta da casa, conseguindo ser novamente recebida no dia seguinte.

A partir daqui, Dubois conta a sua história desde a infância, interligando-a com a de outro pianista, Samson, um prodígio que desapareceu na obscuridade, após curtas, mas excelentes prestações. Se Dubois é um bom pianista, a sua descrição de Samson eleva-o ao nível de génio, uma quase divindade da música.

Episódio após episódio, Dubois diminui-se, carregado de arrependimentos. A sua popular carreira afastou-o do caminho de pianista virtuoso que pretendia e ao qual associa a figura de Samson, ainda que todas as vertentes da sua vida pareçam associar os dois – até a amante que guarda no coração era a esposa do outro pianista.

A Narrativa

Após as páginas introdutórias (em que se mostra como a jornalista conseguiu entrevistar o pianista) a história divide-se em cinco capítulos, contando-se a história de vida de Dubois. Ainda assim, a interligação com o outro pianista é tão forte, que, a história é contada na perspectiva dessa ligação, ou seja, em sempre o próximo encontro como ponto fundamental da narrativa que se conta. Tudo o resto parece, quase secundário.

Esta forma de abordar a história de Dubois, fazendo-o parecer “apenas” um humano face a um prodígio da música leva-nos a simpatizar com a personagem, percebendo-se a origem de todos os seus arrependimentos e, consequentemente, do seu mau humor. Uma técnica que envolve o leitor e o faz sentir empatia.

Mas o verdadeiro truque está nos detalhes. Balada para Sophie está repleto de subtilezas, informações que vão sendo indirectamente distribuídas na narrativa e que ajudam a compor a sensação de uma obra mais complexa e completa. Neste sentido, talvez a parte final seja a menos composta desta forma, ainda que a história termine de forma sublime.

Durante o livro vamos sendo cada vez mais envolvidos pelas personagens. Os seus pequenos defeitos e as suas pequenas virtudes vão-se transformando em pontos de contacto. Mas só nos apercebemos verdadeiramente da grandiosidade de Balada para Sophie quando terminamos a última página e percebemos que estamos sem fôlego.

O desenho

Expressivo e ligeiramente caricaturesco, o desenho de Juan Cavia emparelha perfeitamente com a narrativa. As cores usadas vão oscilando, moldando o ambiente de cada cena. Se, nas conversas com a jornalista, assumem um tom mais realista, as memórias apresentam-se mais discrepantes e intensas, com fortes contrastes.

A edição

Para além da capa dura, Balada para Sophie apresenta lombada cosida e separadores para cada capítulo. Algumas partes da história são impressas em folha preta. No final encontramos a partitura da música (Ballade pour Sophie) bem como páginas extra com estudos de personagens, e uma breve biografia de ambos os autores.

Conclusão

Podemos deambular entre as razões que levam a outros bons autores portugueses não terem edições de qualidade equivalente (investimento, retorno financeiro, tempo para trabalhar em banda desenhada, maturidade do mercado), ou podemos simplesmente apreciar o livro que se apresenta – e é por este segundo caminho que pretendo ir.

Se livros anteriores de Filipe Melo e Juan Cavia já se destacavam pela qualidade da edição, pela capacidade em mover uma história e pelo visual, Balada para Sophie destaca-se das anteriores por se apresentar mais desenvolvida e mais madura em termos narrativos. A história está envolta na clássica tragicidade que acompanha a inevitabilidade de um destino, mas contém subtis elementos fantásticos que conferem magia ao texto (uma característica que usualmente se enquadra no realismo mágico).

Bem, entre a narrativa quase perfeita (um retorno final que quebra um pouco a estrutura, e uma revelação que poderia ter-se mantido mais dúbia), o desenho excepcional e a excelente qualidade de edição, não é de exagerar se disser que a conjugação destes factores nos leva a um dos melhores livros de banda desenhada nacional já publicados. Uma leitura aconselhável a fãs de banda desenhada, mas também a todos os leitores que gostem de uma grande história.

Balada para Sophie foi publicado em Portugal pela Edições Tinta-da-China, mas já se prevêem edições noutros idiomas e mercados.