
Apesar de todo o sucesso que alguns dos livros de Kieron Gillen têm tido, a leitura das suas obras não me tem satisfazido na totalidade. Existem alguns elementos originais e alguns detalhes que gosto, mas há qualquer coisa que falta na caracterização das personagens para me convencer totalmente. Ainda assim, dado o tema de Once & Future, resolvi arriscar – ainda bem!



A história
O Rei que foi e que será é, claro, o Rei Artur, que, segundo as lendas, um dia voltará para salvar a sua terra. Alguém consegue, no mundo actual, convocá-lo de volta, bem como a uma série de monstros. Deparando-se com este acordar de criaturas, uma velhotinha que tentava apreciar os últimos dias no lar, vê-se obrigada a voltar à actividade, convencendo o seu neto a segui-la.
É neste contexto que Duncan passa a saber a verdadeira ocupação da sua avó, estranhando os seus primeiros relatos sobre monstros e outras criaturas. Mas quando, rapidamente, se vê, também ele, envolvido na luta, mal tem tempo para processar esta novidade realidade e é obrigado a defender a própria vida.
De episódio em episódio, assistimos a um novo acordar de criaturas, enquanto o Novo Rei Artur envia os seus cavalheiros na busca do Santo Graal. Duncan é levado a desempenhar o papel de cavalheiro inocente e ingénuo, características que fazem parte da sua personalidade introvertida.



Crítica
A premissa usada em Once & Future recorda algumas ideias usadas em Phonogram or The Wicked + The Divine, no sentido em que o poder dos mitos ou das divindades parece advir da crença das próprias pessoas e da forma como se interagem com a imaginação / crença. Neste caso, os mitos movem-se pela adopção de papéis específicos das lendas, utilizando pessoas que tenham algumas características em comum com os arquétipos das histórias.
Esta explicação vai surgindo com o desenvolvimento da história, não sendo apresentada de forma a sobrecarregar a narrativa. Aliás, esta teoria central que justifica a história, vai sendo usada de forma competente para justificar a sucessão de episódios, conseguindo tornar-se extraordinária, mas também, coerente com ela mesma – a explicação é simples e é usada sem exageros, nem explicações profundas.
Enquanto que os restantes livros deste autor parecem centrar-se nalgumas interacções menos úteis, onde se dá grande foco às conversas e relações entre personagens (por vezes, com algum drama), a narrativa de Once & Future é mais limpa, apresentando as personagens principais de forma simples mas eficaz. Existem alguns elementos cliché mas normais nesta história, dada a premissa em que se usam estereótipos para reconstruir os mitos.
A narrativa centra-se, sobretudo, em duas personagens: Duncan (um jovem atado e introvertido) e a avó (com uma dose de agressividade justificada pela profissão). De forma mais tangencial, mas também importante, encontramos uma jovem colega de Duncan que começa como uma potencial namorada, mas acaba por ter um papel fundamental na caça das criaturas.
Do outro lado da barricada encontramos uma única personagem dimensional, a mulher misteriosa que acorda o Rei Artur. De resto, os vilões são a personificação dos mitos, e, dessa forma, mais simplistas e lineares. Destaca-se, neste sentido, a interpretação dos mitos, principalmente arturianos, com um Rei Artur obcecado na sua visão daquelas terras que se torna, por isso, no vilão mais óbvio.
A narrativa é movimentada. Conforme as criaturas vão sendo acordadas e trazidas à realidade actual, Duncan e a avó são levados a controlá-los, enveredando na sua própria interpretação dos mitos como forma de antecipar e eliminar os monstros. Esta constância leva a um ciclo coerente, cada vez mais complexo de entendimento e eliminação, com a progressão da narrativa principal: o relacionamento de Duncan com a tal amiga e a revelação das verdadeiras ligações entre as várias personagens.
Para além da história competente, movimentada e envolvente, destaca-se o visual. O desenho é detalhado quando necessário, os planos são formidáveis (principalmente nas cenas de acção), as cores são fortes e as sombras estão bem colocadas complementando as imagens. Existe expressividade e movimento que permitem o leitor aproximar-se da acção e sentir a deslocação das personagens. Este volume de luxo complementa o visual, com uma capa fabulosa (a impressão a preto, com relevo não é fácil de perceber nas fotos) e um bom caderno de capas e estudos de personagem.



Conclusão
Talvez porque as expectativas não fossem das mais elevadas, adorei este primeiro volume de Once & Future. Gostei da premissa relativamente simples, mas bem usada em ciclos de acção, bem como da centralização num menor número de personagens (que funciona bem nesta narrativa), do visual e da qualidade da edição. É provavelmente a minha leitura favorita deste primeiro mês do ano, no meio das 15 leituras efectuadas.


