A Febre de Urbicanda é um dos trabalhos de Schuiten e Peeters no Universo de As Cidades Obscuras, série que integra outros volumes como A teoria do Grão de Areia. Neste caso a narrativa centra-se em Urbicanda, uma cidade de arquitectura imponente, desenhada na perfeição por Eugen Robick.
Urbicanda parece a cidade perfeita. Os prédios alinham-se numa proporção balanceada e imponente. Os cidadãos que vemos estão bem vestidos e confortáveis. As ruas são ordeiras, limpas e luxuosas. Mas para terminar o alinhamento perfeito, falta a construção de uma ponte – uma ponte que ligará os dois lados da cidade e que é, por esse motivo recusada.
Do outro lado da ponte encontram-se os outros. Os trabalhadores que vivem na cidade onde a desordem faz parte. Os pobres que devem ser afastados das belas construções e cuja entrada deve ser controlada e fiscalizada. É neste contexto que a ponte é recusada, por ser um elemento de contacto que poderá facilitar a passagem dos indesejados.
É com esta recusa que nos apercebemos estar perante uma falsa utopia, um estado totalitário que, à semelhança da sua arquitectura imponente, impõe uma separação das classes e uma autoridade rígida. Algo que será quebrado de forma inesperada, caótica e irregular.
Eugen Robick recebe, no seu escritório, um cubo – uma estrutura surreal cujo material não consegue identificar. Não lhe dando grande importância, Robick deixa-a no seu escritório. Quando regressa da reunião em que lhe foi recusada a ponte (o elemento em falta na cidade que projectou) percebe que a estrutura se multiplicou, crescendo em tamanho e quantidade dos cubos.
Este será o elemento que quebra o quotidiano. Crescendo de forma incontrolável e inquebrável, o cubo sobrepõem-se às estruturas perfeitas desenhadas pelo homem. É uma aberração que, num primeiro momento se torna incomodativo, mas num segundo se transforma numa ponte bizarra entre as duas margens permitindo, pela primeira vez, o contacto não regulado entre os habitantes de ambas as partes.
O cubo, indiferente às alterações que provoca, é o elemento que move a narrativa ao introduzir uma falha no ambiente perfeito. É o elemento de imperfeição na cidade, a doença citadina que rompe a ditadura e a torna impossível, que possibilita que duas partes da mesma sociedade se toquem, nem que seja momentaneamente.
A Febre de Urbicanda é um álbum que se destaca pelo seu aspecto visual. A arquitectura que apresenta, simultaneamente futurista com traços de outros tempos, é sonhadora, imponente e perfeita. Em termos narrativos é subtil. Existe um regime opressivo, mas tal é percebido de forma suave, mostrando autoridade sem momentos violentos ou excessivos.
Este volume foi publicado pela Levoir em parceria com o jornal Público na colecção Novela Gráfica. Não é um lançamento inédito no mercado português, mas o volume encontrava-se esgotado antes desta edição.