Como já disse e repeti várias vezes, T. Kingfisher tornou-se uma das minhas autoras favoritas, tratando-se de um pseudónimo que Ursula Vernon usa para escrever para uma audiência mais adulta. A maioria das suas histórias são de fantasia, com traços de horror, onde explora contos de fadas ou clássicos, dando-lhes uma outra perspectiva, ou onde cria histórias fantásticas, retorcendo os seus clichés com detalhes irónicos e inteligentes.

Esta história, publicada na Uncanny Magazine é bastante diferente da sua escrita usual – sobretudo porque é de ficção científica, tendo ganho os prémios Hugo e WSFA para conto em 2021. A narrativa apresenta-nos duas máquinas construídas num planeta inabitado, onde um homem envelhece, gratificado pelas conquistas das suas criações.

Mas da mesma forma que as duas máquinas ganham autonomia e exploram o mundo em que cresceram, limitados pelas regras programadas, também o homem envelhece, aproximando-se de um ponto de decisão – ou pede ajuda à sua civilização de origem expondo as suas criações, ou morre sozinho naquele planeta.

O homem decide-se por um intermédio, libertando as suas criações e instruindo-as a esconderem-se no espaço próximo, enquanto chama por ajuda. As máquinas, ingénuas, acabam por cair na armadilha de uma terceira máquina, uma entidade egoísta que irá aproveitar-se da inocência daqueles dois.

A história consegue ser empática, fazendo-nos interessar por aquelas duas criações ingénuas que exploram, maravilhados, o que os rodeia. As circunstâncias são adversas, mas leva a que as duas criações desenvolvam artimanhas para sobreviver.

Ainda que a premissa seja, sem dúvida, de ficção científica, a forma e a apresentação são quase de fantasia, numa forma de conto que usa a premissa de FC de forma engenhosa e inteligente. A história poderia ser transportada para a realidade de duas crianças que se apercebem de como os adultos podem ser maus e mentirosos e nessa vertente, a autora consegue estabelecer o paralelismo e fazer com que nos importemos com as duas máquinas.

O resultado é formidável, executado de forma pausada mas suficientemente ritmada, evoluindo com consistência e interesse. É, sem dúvida, um excelente conto! E ainda por cima, pode ser lido gratuitamente na página da revista onde foi publicado.