Eis um livro que estava há sete anos para pegar, tendo recebido uma ARC digital pelo Netgalley e uma cópia física em passatempo. Este Verão, apanhei uma aberta, poucos livros não lidos no Kindle e resolvi pegar-lhe. O resultado é curioso, ainda que não extraordinário – um mundo cyberpunk com elementos interessantes, mas uma execução algo caótica, que transformou a leitura numa das mais aborrecidas deste Verão.
Nomeado para o prémio Philip K. Dick, a história leva-nos ao ano de 2025 – uns meros 9 anos após a publicação da história – onde encontramos uma sociedade ligeiramente mais avançada (pelo menos em biotecnologia) em que alguns, os mais pobres, subsistem de roubos e o valor de uma vida humana é demasiado baixo. Bastante semelhante ao mundo em que vivemos, portanto.
Sol é um mecânico em Manchester, que rouba peças. Quando faz de um carro de luxo o seu alvo, encontra algo mais do que pretende – uma mulher de três braços, altamente armada, e sem memória de quem é. O seu nome resume-se a uma letra – Y. De alguma forma Sol vai tentar ajudá-la, mas tal faz cruzar o caminho de uma rede de trafico humano. Não é de admirar que ambos estejam em perigo.
A narrativa alterna entre a perspectiva de Sol e Y, sendo que as primeiras páginas pareciam promissoras. A história inicia-se com Y a acordar, sem saber o que lhe aconteceu, descrevendo a ausência de memória e as provas que tem de passar para se habituar ao novo corpo. Tal como ela, vários outros seres humanos transformados vivem na mesma masmorra como animais, controlados com maldade.
Numa sociedade onde a vida humana vale muito pouco, os seres humanos comuns são usados como material e quem se interpõe corre o risco de ser eliminado ou de sofrer o mesmo destino. Esta é a premissa da história que vai tentar impor um sentido de urgência na narrativa, com lutas corpo a corpo, fugas e mortes.
A realidade descrita será uma das componentes mais importantes – ligeiramente distópica, bastante semelhante à nossa, mas onde o sistema económico colapsou e os serviços públicos se desmaterializaram, sendo que a cidade é governada por grupos criminosos. A descrição não me parece muito distante do que já existia nalgumas cidades. Se calhar, a maior diferença é que alguns territórios que conhecemos como terra habitável estão debaixo de água.
O ambiente é interessante, e a narrativa até arranca de forma envolvente com a colocação de alguns episódios de contextualização, ou pelo menos, de introdução às personagens. Com a sucessão, cada vez mais rápida, de episódios de acção, a percepção do que estava a acontecer desvaneceu-se, bem como a empatia pelas personagens. Numa narrativa que se pretende impregnar de sentido de urgência, esta incapacidade de fornecer referências é um erro crucial. Sobretudo, se a empatia criada anteriormente não era assim tão forte.
O conceito de Graft é interessante, levando-nos para um ano semelhante ao nosso. Temos de ter em consideração que foi escrito há 7 anos, mas as diferenças na sociedade não são assim tão inimagináveis. Novamente, existem locais no planeta onde a vida humana não tem valor e, da mesma forma que algumas pessoas são traficadas pelos seus órgãos, não me parece assim tão distante que possam ser comercializadas como objectos depois de transformadas tendo em vista determinadas funções. Infelizmente, a concretização não correspondeu às melhores possibilidades da realidade criada.