Este ano parece ter sido marcado por algumas histórias sobre génios e as mitologias que as rodeiam. O menos associado às origens será a leitura mais recente, Eight Billion Gennie, que apresenta apenas os génios enquanto criaturas que concedem desejos aos comuns mortais. Restam então este A Master of Djinn e a trilogia de S A Chakraborty, iniciada com The City of Brass.

Ambas as narrativas usam figuras sobrenaturais que em português se traduzem simplisticamente como génios, apresentando características comuns entre as duas narrativas na componente fantástica, bem como alguns elementos que parecem advir de uma mitologia árabe – tal como os seres humanos estas criaturas poderão ser crentes e muçulmanas, aspecto que não me parece ter sido explorado em nenhuma das narrativas ficcionais.

Os Djinn podem ser encontrados no Corão, bem como em histórias da Antiga Mesopotâmia, Judaicas ou Budistas. São quase sempre representados como criaturas de livre arbítrio, inteligentes e dotadas de poderes variados, que se regem por regras diferentes das sociedades humanas. Os seus poderes podem variar de acordo com o elemento natural ao qual estão associados.

Já os Ifrit podem ser descritos como Djinn ou como entidades separadas, havendo alguma coerência em considerá-los maléficos ou demoníacos. Estarão associados ao sub-mundo e ao reino dos mortos, podendo, também, ser encontrados sobretudo em referências árabes.

Tanto a trilogia de S A Chakraborty como este A Master of Djinn integram referências a ambas as criaturas. Mas se em The City of Brass, a narrativa se centra na civilização dos génios, com cidades fantásticas e mágicas e lutas de poder entre facções de criaturas de elementos diferentes, aqui, neste volume premiado com o Nebula e o Locus, o Egipto encontra génios, acorda-os e consegue integrá-los na sua sociedade, seguindo estes as regras da sociedade humana.

O mundo é, pois, mais moderno, levando-nos ao início do século XX no Cairo, e apresentando-nos um país que conseguiu, graças aos génios, tornar-se uma potência mundial. A tecnologia coexiste com a magia, e tal como noutras sociedade europeias as mulheres tentavam obter a sua autonomia, também aqui as mulheres começam a aparecer nos trabalhos que se diziam tipicamente masculinos.

Ilustração para a edição limitada lançada pela Subterranean Press por Kevin Hong

Fatma é uma destas mulheres, integrando o Ministério da Alquimia, dos encantamentos e das entidades sobrenaturais. Apesar de ser mulher, a concretização de missões anteriores já lhe concedeu uma boa reputação, sendo chamada para resolver o caso em que todos os membros de uma sociedade secreta foram assassinados. Fatma não estará sozinha.

A narrativa prossegue, como uma investigação criminal, usando esta premissa para apresentar várias formas como os génios interagem com os humanos naquela sociedade. Alguns encontram-se totalmente integrados, com profissões e interacções positivas, enquanto outros preferiram manter-se isolados e explorarem outras vertentes da sua inteligência ou criatividade.

No decurso da narrativa vamos ser apresentados a génios, mas não só. A investigação cruza o caminho com os anjos, criaturas que se denominam como tal mas que pouco terão de anjos da Igreja cristã, com Ifri, e com outras maravilhas, algumas delas objectos que usam a magia para quebrar com a realidade. Existem, também, referências aos deuses egípcios, associados aos quais ainda existirão igrejas e sacerdotes que vão adquirindo algumas características das entidades divinas.

Ilustração para a edição limitada lançada pela Subterranean Press por Kevin Hong

Na cidade do Cairo, centro de um Império, coexistem crenças e culturas humanas, mas também criaturas das mais distintas origens. Percebe-se pelo discurso que criaturas típicas de outras mitologias também teriam sido encontradas nos países de onde se ouviam as suas histórias – mas centrando-se a história no Egipto, é normal que sejamos mais confrontados com as criaturas associadas às lendas locais.

Apesar de se tratar de uma investigação criminal, a narrativa demora algum tempo a arrancar, debruçando-se durante várias páginas (e até capítulos) em nos apresentar o quotidiano e os relacionamentos de Fatma, bem como as reacções a que é submetida sempre que se apresenta como pertencente ao Ministério, sendo mulher. Neste aspecto, julgo que algumas passagens seriam desnecessárias, ao repetirem alguns elementos já conhecidos (como o vestir-se com fatos ocidentais de corte dispendioso). O autor tenta optar pelo Show don’t tell, mas reitera tantas vezes o Show que, nos momentos iniciais se torna algum repetitivo nas suas intenções.

Ultrapassando estes momentos iniciais, inicia-se um conflito social claro que destaca os desafios das classes mais pobres e envolve o retorno de uma entidade poderosa, uma espécie de Messias. Este conflito estará associado à investigação criminal e faz parte de um plano malévolo de um vilão – alguém que pretende controlar os génios.

Ilustração para a edição limitada lançada pela Subterranean Press por Kevin Hong

A Master of Djinn não me fascinou. Tem vários elementos positivos como a construção de uma realidade curiosa e diversa onde criaturas mágicas convivem com humanos e várias culturas se cruzam numa cidade caótica. No entanto, a investigação (e o seu resultado) não é surpreendente, tendo antecipado os grandes mistérios antes destes serem revelados. Ainda, o arranque inicial não facilitou o envolvimento, e a narrativa é centrada numa personagem relativamente linear.

Pelo que percebi, é o primeiro livro do autor e nota-se que tem alguns elementos para limar, tanto em termos de velocidade como de desenvolvimento. É possível que leia o próximo daqui a alguns meses, mais pela realidade construída do que pelas personagens. É uma leitura engraçada, mas não excepcional.

Comparando com The City of Brass, diria que a escrita de A Master of Djinn é mais pausada e que se destaca pela realidade construída e por alguns elementos cómicos nas interacções. The City of Brass envolve pela velocidade narrativa, com grande intensidade de conflitos, e por uma melhor caracterização de personagens com diferentes perspectivas ao longo da história. Entretanto, também já cá tenho o The Golem and the Jinni para ler, pelo que poderá ser mais um para comparar.