Nomeado para vários dos principais prémios da ficção especulativa, como o Prémios Locus para melhor primeira novela, Prémio World Fantasy para melhor Novela, Prémio British Fantasy Award, The City of Brass foi publicado em 2017 e encontra-se na minha lista de possíveis leituras há algum tempo. Peguei-lhe finalmente quando pesquisei os livros no kindle em busca do ler a seguir.
A história
Nahri, órfã que cresceu nas ruas da cidade do Cairo, tem um estranho dom para prever a morte dos que a rodeiam, ou para perceber as doenças que proliferam no corpo dos outros. A necessidade de sobrevivência fá-la ser uma trapaceira, uma suposta curandeira que recebe o dinheiro para executar rituais duvidosos de cura, sempre que o risco assim o permite. Mas tudo muda quando, numa destas cerimónias, se decide a proferir o seu idioma natal, invocando algo que desconhece.
Perseguida na noite do Cairo, acaba por ser confrontada com uma criatura mágica que a quererá eliminar – invocando para tal vários Ghouls de um cemitério próximo. Surpreendentemente é defendida pela criatura que invocou, um ser da raça dos génios que é um reconhecido guerreiro, Dara. Após a batalha nocturna que acaba com os dois a fugir da cidade, Dara percebe que Nahri é o resultado de um cruzamento entre génios e humanos, justificando-se assim os poderes de Nahri quanto às doenças, bem como a sua capacidade de compreender qualquer idioma.
A viagem pelo deserto tem como objectivo chegar à Cidade de Bronze, mas não será, claro pacífica, sendo perseguidos por várias criaturas. Pelo caminho Dara explica a Nahri algumas coisas do mundo dos génios – mas não tudo. Entre o instinto de sobrevivência e a cumplicidade da viagem, estabelece-se um forte laço entre Dara e Nahri.
Crítica
The City of Brass é a primeira obra de Chakrabort, uma história que se alonga por mais de 500 páginas no primeiro volume. Como primeiro volume, a narrativa não está ainda aperfeiçoada, existindo, nitidamente três grandes momentos neste livro: Nahri numa cidade como humana, a viagem de Nahri e Dara, e a existência na Cidade de Bronze. Em todos os momentos se vão desenvolvendo conflitos diferentes.
No primeiro momento encontramos uma jovem mulher, esquiva, que vive como charlatã, sem saber o que o amanhã lhe poderá trazer. Com o aparecimento de Dara, o foco narrativo passa a estar na viagem, alternando entre os perigos que enfrentam e o conflito entre os dois. Nahri não está convencida em fugir para a cidade onde os seus antepassados foram chacinados. Dara, por sua vez, é um guerreiro de poucas palavras e passado pesado que não consegue conceber que um génio se tenha cruzado com um mero humano. O relacionamento inicia-se como desconfiança, mas com o enfrentar de vários monstros evolui para alguma cumplicidade e, até, atração.
O terceiro momento narrativo leva-nos à cidade onde Nahri é confrontada com a história do seu passado e com as teias políticas do Palácio e da família real – as falsas amizades e as trocas de favores são constantes; mas nada a prepara para o reinado cruel de um rei que vive à sombra de uma revolta. Para a enfrentar impõe leis rigorosas que são aplicadas de forma desigual às diferentes populações que ocupam a cidade, resultando em manifestações e chacinas.
Para além do foco em Nahri, encontramos alguns episódios focados em Ali, um dos príncipes que tem uma posição política bastante diferente, acreditando que a vida dos humanos deve ser poupada e facilitada – crença que é oposta à do rei e que lhe poderá trazer alguns dissabores. Estes episódios em torno de Ali vão aparecendo em qualquer um dos grandes blocos narrativos, e vão preparando o enredo para a chegada de Nahri e Dara, dando-nos a conhecer outra perspectiva das personagens com as quais se vão cruzar.
Entre os confrontos com monstros mágicos, as fugas, e as teias políticas, The City of Brass consegue ser uma leitura movimentada e envolvente, que apresenta vários conflitos para mover o enredo. As personagens cruzam-se em interacções complexas, entre o mal entendimento das acções, os sentimentos escondidos e as intenções obscuras que não podem ser reveladas. Ainda que as interacções nem sempre sejam perfeitas, isto é, nem sempre são totalmente lógicas, a narrativa move-se com uma boa cadência, e consegue levar o leitor a prosseguir rapidamente pelas mais de 500 páginas.
A existência de várias criaturas inteligentes que sobrevivem numa mesma cidade, mas possuem diferentes direitos, pode ser facilmente paralelizada com a existência nalgumas cidades reais onde nem todos têm as mesmas oportunidades. Uns podem ser escravizados e mortos. Outros vivem em opulência, explorando os restantes. Um dos aspectos mais importantes nesta segregação é a propagação de receios e superstições, que dificultam o contacto e facilitam o preconceito.
Em paralelo, a história explora ainda o ciclo de conflito e guerra que se pode propagar por séculos, alimentado por aqueles que têm algo a ganhar com isso – seja poder ou dinheiro. Estas guerras não atingem apenas os exércitos e decorrem dentro do interior da cidade, levando ao extermínio de raças ou à chacina de famílias inteiras – claro que os poucos sobreviventes irão crescer focados na vingança.
Numa nota mais próxima das personagens, o interesse romântico irá, também, conferir tensão ao enredo, ainda que o desenvolvimento deste interesse prossiga de forma previsível e cliché – e se os clichés funcionam quando bem usados, aqui a utilização está no limite entre o bom e o mau, safando-se, sem me causar grande impacto.
Conclusão
The City of Brass não é genial, ainda que se vá tornando mais interessante com a progressão da leitura. No final estamos envolvidos e somos levados a pegar rapidamente no segundo volume. Não é, no entanto, uma leitura perfeita. Por um lado, a viagem é demasiado longa e focada nas duas personagens, Dara e Nahri, aproveitando-se a interacção para ir revelando alguns detalhes sobre a história e a realidade dos génios. Por outro, todas as interações parecem construídas para provocar ainda mais tensão e conflito entre as personagens.
Ainda assim, ultrapassando estes dois pontos menos positivos, a autora consegue mover a narrativa, sem grandes momentos de extenso debitar de informação, o que não será fácil quando se trata de apesentar várias culturas e raças de génios com uma pesada história entre si.