Eis um daqueles livros em que já não me recordo como soube da existência, até porque me convenceu rapidamente com o seu visual curiosa. Trata-se do primeiro volume lançado por uma editora estreante em Portugal, Lamb’Lambe.

A narrativa apresenta-nos Barthô, um rapaz de pouco desenvolvimento intelectual que parece ter uma forma muito peculiar de ver o mundo – tudo para ele é admirável ou tudo é bonito. Esta perspectiva inocente e, até, cativante, é considerada pelos que o rodeiam, exasperante – até porque demora imenso a fazer as tarefas que lhe atribuem.

Contrastando com a perspectiva de Barthô, encontramos Nicola, um amigo de infância que, para além de ter uma abordagem diferente para o que o rodeia, tem a tendência de se pôr em sarilhos e colocar Barthô em situações difíceis. Neste caso, consegue fazer com que Barthô use o seu tamanho para bater num rapaz brigão (ou até bully). Mas Barthô tem pouco controlo sobre as suas acções e aquilo que parece uma vulgar luta de rapazes adquire contornos mais negros. Anos mais tarde, Nicola vai voltar a encontrar Barthô. E a história quase que se repete.

Barthô, crente na beleza e na bondade, inocente na forma como confia nos que o rodeiam, vê-se empurrado a actos de violência pelos quais se culpa, e pelos quais sofre as consequências. Mesmo não sendo o culpado moral.

Na perspectiva narrativa, a história consegue caracterizar com eficiência Barthô e o amigo, com poucos e focados episódios, numa coerência que é simultaneamente desarmante e inevitável. A história desenvolve-se transmitindo a beleza que é vista por Barthô e a sua inocência, mas evoluindo com o confronto com a realidade, numa abordagem que quebra a personagem e o leitor.

Visualmente, apresenta páginas num estilo gráfico e esquemático que me recordam um pouco o André Diniz. As personagens apresentam um aspecto ligeiramente caricaturesco, exagerado em proporções e feições, a gama de cores é diminuta (sobretudo preto, branco e verde pastel, ainda que a cor pastel possa ser outra) e o autor opta muitas vezes por quebrar uma só imagem em múltiplos quadrados onde progride com o mesmo acontecimento.

Os Olhos de Barthô é um livro cheio de poesia e beleza, em que o leitor, tal como Barthô, esmorece face à realidade da sociedade em que se encontra. É um relato carregado de ironia e maldade, que contrasta com a mente da personagem principal e que opta por uma abordagem mais realista apesar da poesia como que inicia.