Lançado recentemente pela Asa, este volume prometia dedicar-se a falar do polêmico caso Bobigny, em que uma jovem rapariga aborta e é levada a julgamento por isso. Será este o caso que fará como que a voz de várias mulheres se eleve e, consequentemente, a lei se mude.
A lei contra o aborto que estava vigente em França antes de 1975 era, à semelhança da que existe (ou existia) em tantos outros países, uma medida discriminatória. Isto porque, na realidade, só se aplicava a mulheres pobres. As endinheiradas possuíam meios para o fazer em clínicas privadas, ou fora do país. Já as mais pobres optavam por métodos alternativos, que podiam provocar septicemia e a sua morte, a infertilidade, ou, até a prisão.



Todas as mulheres conhecem alguma que teve de abortar. Os motivos são vários. mas nunca se viu uma mulher endinheirada sendo acusada. Marie-Claire Chevalier era, em 1972, pobre. Mas acima de tudo, vítima de estupro. Acaba denunciada pelo aborto a que se viu forçada pelo próprio agressor. Felizmente, encontra uma advogada que se interessa pelo seu caso, usando-o como alavanca para mediatizar o tema e, consequentemente, fazer elevar a voz de várias mulheres conhecidas que, tendo abortado, nunca foram acusadas.
Este caso, tal como muitos outros, é, em si, um resumo da condição feminina. Forçada ao acto sexual, a jovem não denuncia o seu agressor. Como tantas outras, a reacção imediata é lavar-se, esconder-se, tentar esquecer. Um reflexo que não é percebido por quem a julga no tribunal, questionando-a porque não acusou o seu agressor no momento e só o faz naquele momento.



Para além do acto que originou o feto, o caso reflecte o de várias raparigas que, tendo ficado grávidas, são tratadas como indigentes, sendo naquela época a opção mais comum, enviar para casas de apoio que, segundo o retrato seriam mais casas de correção – as condições seriam miseráveis e as jovens seriam maltratadas. Mas não só. Em todo este contexto, a jovem Marie-Claire tem de se submeter ao juízo de quatro homens completamente alienados da condição feminina.
A história começa por apresentar a jovem antes do julgamento, bem como a advogada, mostrando como é acusada do crime de aborto. Segue-se então o julgamento em tribunal, onde se retratam as interacções e os episódios relatados pelas várias testemunhas. As personagens, sobretudo Marie-Claire, são retratadas com sensibilidade e empatia, o que resulta num relato lúcido, mas não desprovido do sentido de injustiça.



Bobigny 1972 é uma boa leitura, ainda que pouco divertida, que permite ajudar a perceber o que significa a descriminação do aborto para as mulheres, sobretudo para as mais pobres ou com menos acesso a cuidados médicos.

Texto de extrema importância, especialmente diante de ideias reducionistas e manipuladoras contra os direitos de autonomia da mulher, sobre seu corpo e suas escolhas. Essa coisa medieval de demonizar as mulheres é, usando uma expressão popular (no Brasil), ‘difícil de engolir’.
Obrigada por partilhar. ‘Bobigny 1972’ já está na minha lista de leitura.
Boa semana!