Depois do fabuloso A casa no mar cerúleo, eis que é publicada a continuação, onde voltamos à casa que abriga várias crianças com poderes mágicos acolhidas por Arthur. Tendo começado o romance deste com Linus no volume anterior, não é de estranhar que a história nos apresenta os dois como os adultos responsáveis pela educação e gestão de tão peculiares crianças.

Mas se A casa no mar cerúleo começa como com um tom mais cauteloso, Algures para lá do mar prossegue, depois de um episódio fantástico caseiro, rapidamente para tensão e crise. Arthur é chamado a depor perante o organismo que regula as crianças mágicas, num teatro político que tem como objectivo caracterizá-lo, e às crianças, como um perigo para a sociedade. O resultado é o que as forças governamentais pretendem, com o envio de uma nova inspectora à ilha onde vivem.

A este novo perigo (a inspectora vem com instruções maléficas bem claras e apesar das supostas boas intenções será forçada a reportar alguns episódios de forma mais negativa) contrapõe-se a adição de mais um membro da família – um Yeti com tendência para grandes espectáculos teatrais, um rapaz nitidamente traumatizado com a demonização por instituições e regras castradoras da sua natureza.

Tal como no volume anterior, a história apresenta o lar que se construiu nesta casa, onde as diferenças mágicas dos vários elementos se completam, descobrindo o mundo que os rodeia e a sua própria natureza com a progressão dos seus poderes. Arthur e Linus não só acolhem os jovens, como têm um papel fulcral no desenvolvimento da sua moralidade, ajudando-os a compreender as reacções negativas do mundo que os rodeia.

No entanto, este volume apresenta-se mais pesado. Enquanto Linus, enquanto inspector no volume anterior, tinha um desejo genuíno de perceber a realidade das crianças, a nova inspectora possui intenções políticas, e pretende manipular a opinião e instrumentalizar as crianças. Para tal, irá recorrer a interacções menos positivas, quer com os membros da casa, quer com os habitantes da vila onde agora já são acolhidos.

Este segundo volume opta por uma abordagem menos inocente, de confronto com a instrumentalização política dos socialmente mais fracos, mostrando a falta de ética que pode existir no governo, manipulando a opinião pública e não olhando a meios para direccionar o povo em determinado sentido. Apesar desta aura menos simpática, a narrativa mantém a exploração das particularidades das várias personagens, numa vertente bem humorada que contrasta positivamente com o tema de fundo.

O resultado continua a ser uma leitura suave e adorável, que confere momentos de boa disposição, ainda que se afaste um pouco da ideia de que todos são redimíveis. Em Algures para lá do Mar há vilões – gananciosos, interesseiros e egoístas, e ainda que o desfecho seja positivo, o final não deixa de parecer um sinal de alerta sobre a instrumentalização dos socialmente mais desprotegidos.