Apesar de ser um escritor de ficção especulativa bem sucedido, não li muitos livros do autor. A Guerra é para Os Velhos foi lançado em português na colecção 1001 Mundos da Gailivro há pouco mais de 15 anos e revelou-se uma leitura bem humorada com pontos tecnológicos originais e espécies alienígenas peculiares. Do mesmo autor tinha lido The Android’s Dream, uma óbvia referência ao Do Androids Dream of Electrict Sheep to Philip K. Dick que é, também uma paródia, com cenas nonsence e pitadas irónicas onde não faltam os episódios violentos e cómicos.

Mais recentemente, vários dos livros do autor me têm suscitado curiosidade – nem que seja pelos títulos e premissas. Como The Kaiju Preservation Society, nomeado para o Hugo e premiado para o Nebula, onde se apresenta uma espécie de Parque Jurássico, mas com Kaijus. Em When the moon hits your eye, a Lua transforma-se numa bola de queijo. Entre os lançamentos recentes do autor, encontra-se Starter Villain, agora lançado em português como Vilão Aprendiz, pela Cultura Editora. E claro que o encomendei logo.

A história centra-se em Charlie, um jornalista falhado que dá aulas, e cuja existência parece estar em quase colapso financeiro. A casa onde vive é gerida por um fundo que é dividido pelos irmãos. Sendo filho de uma outra esposa, mais jovem, Charlie não possui uma grande relação com eles. E todos querem vender a casa em que Charlie se encontra.

A sua existência é rapidamente abalada quando o tio milionário falece, sendo-lhe oferecida a oportunidade de ficar com a casa onde vive, se, em troca assistir ao funeral. Mas o momento fúnebre é tudo menos solene. As peculiaridades começam com os ramos de flores, com frases pouco usuais (como “Bem feito sacana”) e com as tentativas de voltar a assassinar o cadáver. Não melhora quando, a voltar a casa, uma explosão destrói literalmente tudo o que tem. É aqui que descobre que a sua gata é uma entidade inteligente, uma espia a trabalho do tio, que era, afinal um super vilão.

A partir daqui, Charlie vai ser incumbido de dirigir os negócios mais sombrios do tio, havendo sucessivas tentativas de assassinato, explosões, animais inteligentes que se sindicalizam, tesouros escondidos, caves maléficas em vulcões, espionagem e contra-espionagem. E claro, milhões virtuais em vários bancos espalhados no mundo.

A história está rodeada de uma aura cómica, com momentos inusitados, desenvolvimentos mirabolantes e detalhes científicos extraordinários (q.b.). A aura cómica é concedida, sobretudo, pela personagem, inteligente, mas despassarada, pouco dado a boas decisões de vida, mas capaz de gozar consigo próprio e com as circunstâncias em que vive. Adicionalmente, a caracterização estereotipada de algumas personagens (sobretudo dos capangas) funciona como caricatura que ajuda a definir uma expectativa, ao mesmo tempo que a quebra em momentos chave para conceder algumas surpresas. Já os animais inteligentes, possuem personalidades muito vincadas e proporcionam alguns dos diálogos mais inesperados da história.

Os momentos inusitados e desenvolvimentos mirabolantes começam por ser proporcionados com o contraste da inicial vida de Charlie com a existência de vilão. O funeral é, sem dúvida, surpreendente, marcando o tom para a restante história. Adicionalmente, a competitividade entre vilões e os seus relacionamentos complicados, geram sucessivas surpresas e reviravoltas narrativas. Mas não menos inusitada é a organização por detrás do mundo do crime – uma verdadeira empresa onde não faltam os níveis de gerente e os movimentos sindicais.

Mais do que ser vilão, a organização criminosa possui uma peça fundamental nos jogos entre governos e corporações, permitindo pequenas guerras frias e jogos de poderes, com o mínimo de dano colateral. E mesmo o dinheiro que recebem é pouco palpável, milhões pouco liquidáveis que fazem, também, parte do esquema de poder global, num jogo económico que é pouco perceptível para o cidadão comum.

A premissa permite construir uma história bastante movimentada, com pitadas surreais, mas divertidas, onde não faltam as tiradas inteligentes e sarcásticas, paródias à ordem económica e ao capitalismo extremo. Ser vilão é perigoso, mas bastante menos rebelde do que parecia, requerendo organização extrema e capacidades políticas e manipulativas de topo. O resultado é uma leitura divertida que, apesar de leve, possui algumas críticas curiosas e interessantes. Sem dúvida uma leitura recomendável para quem procura algo mais leve, mas não menos inteligente.