Universos literários

O projecto Fantasy & Co tem vindo a publicar, já há alguns anos, histórias de escritores portugueses de ficção especulativa com o intuito de divulgar o trabalho de novos autores. Estes novos autores têm vindo a integrar várias antologias organizadas por editoras e este projecto é uma forma de conhecer um pouco mais do seu trabalho. Foi com esse intuito que peguei recentemente no pequeno conjunto Histórias Fantásticas de Portugal, e agora neste, maior, Universos Literários.

Estas antologias têm como objectivo apresentar o trabalho dos autores portugueses. Talvez por isso algumas das histórias pareçam pouco conclusivas e mais amostras, o que é uma pena, pois mostram a capacidade do autor em criar ambientes e até personagens, mas podem deixar um sentimento de história aberta no final que me desagrada. Felizmente, esta detalhe não é regra, e encontram-se boas histórias neste conjunto.

A primeira história é O Canto da Ninfa de Carina Portugal, cujos contos podemos encontrar também na Trema, ou na Nanozine n.º 6. História fantástica, acompanha um elfo enquanto ele se apaixona por uma ninfa silenciosa que encontra durante a noite no Lago Sagrado.

De ambiente mágico que aproveita os elementos naturais, é uma história completa onde se realça o desenvolvimento da relação entre as personagens e o final trágico.

Segue-se a história é de Ana Ferreira (ou Adeselna Ferreira), já conhecida de outras publicações como Comandante Serralves , Antologia Trema ou nos vários volumes da Nanozine. Inbicta – Vamos Pintar os Franceses de Carmim é um divertido conto passado no Porto, durante as Invasões Francesas que tem como principal protagonista uma verdadeira mulher do Norte – Adosinda Golçalves.

História movimentada e cómica, com fortes traços fantásticos, apresenta uma personagem forte e directa que consegue divertir pela conjugação do cenário pitoresco com as falas de Adosinda. Apesar de constituir um episódio de uma história maior, e abrir a porta a novas aventuras, termina de forma mais do que satisfatória.

O terceiro conto é Apocalipse – A Queda de Berlim de Pedro Pereira, autor que estava representado também no conjunto Histórias Fantásticas de Portugal. Este conto decorre, conforme o título, na cidade Alemã, onde estará em curso uma guerra entre demónios e humanos. Apresentando o ponto de vista de um poderoso demónio, cedo percebemos que os humanos têm poucas ou nenhumas possibilidades de vencer. Pelo menos neste episódio.

Se no caso anterior, o facto de haver mais história em torno da personagem não tem impacto no leitor, aqui não senti o mesmo. Percebemos que a missão do demónio é importante para a conquista total e que este se vê forçado a tomar medidas para o bom curso da missão, mas gostaria que o final tivesse sido mais conclusivo.

Com contos publicados, na Antologia Por Mundos Divergentes e nas Fanzines Fénix,  Sara Farinha traz-nos Percepção – Túmulo 62. Este é, também, um óbvio episódio de uma história maior, um episódio de acção em torno de um túmulo faraónico. Da personagem sabemos muito pouco, para além de ter poderes mentais, dos seus objectivos também não.

Carlos Silva é um nome cada vez mais comum no cenário das publicações portuguesas, destacando-se Comandante Serralves, Lisboa no ano 2000 ou Insonho. Tendo como cenário uma cidade mágica, Urbania – A destilação do absurdo, apresenta-nos o complicado processo pelo qual se produz um licor, de receita secreta e raros ingredientes. A produção encontra-se a cargo de uma família, em que cada membro é responsável por uma tarefa

Carregado de elementos fantásticos a partir dos quais se depreendem algumas características da cidade, é um dos melhores contos do conjunto que nos deixa a querer saber mais sobre aquele mundo que é (des)feito pelo nevoeiro. Consegue, sem detalhar extensivamente as personagens, criar um bom sentimento de ambiente, ter um final e deixar-nos curiosos.

Conto curto, Ahelane – O primeiro voo de Liliana Novais, apresenta o primeiro passeio de um jovem dragão fêmea sem os progenitores. Episódio engraçado, mas que nada traz de novo, quebra-se sem que exista propriamente um final.

A última história é de Pedro Cipriano, também bastante conhecido nas publicações nacionais como fundador da Editorial Divergência e participante em várias antologias como Nanozine, Manual Steampunk 2012 ou Lusitânia. Publicada em conjunto com outras histórias no mesmo Universo, Era Dourada – A Alvorada, retrata um mundo em guerra pelo petróleo, centrando-se nos grupos armados que fazem parte do conflito.

Dando principal realce à batalha terrestre em curso, preocupa-se em enquadrar o leitor no conflito. Curto e com um final bastante marcado, não funcionou comigo isoladamente – talvez por precisar de mais ambiente ou desenvolvimento de personagens. Provavelmente algo que poderá ser compensado na leitura do conjunto de histórias que decorre neste Universo.

Estes conjuntos podem funcionar bastante bem para captar a atenção para a restante obra de alguns autores. Fica a faltar uma introdução, ou contextualização, para a ideia do conjunto ou para a origem e objectivo dos contos. Tal ajudaria a balancear a expectativa do autor.

Ainda assim, fiquei interessada em ler algo mais sobre a personagem caricata de Ana Ferreira, Adosinda Golçalves, sobre o mundo fantástico de Urbania (por Carlos Silva) ou sobre o apocalipse retratado em Era Dourada por Pedro Cipriano. Para quem não conhece o que estes autores têm feito nas várias publicações nacionais, este poderá ser um começo interessante.