
A Haikasoru é uma chancela da Viz Media focada em tornar acessíveis, ao público norte americano, obras de ficção especulativa japonesa. Entre os livros publicados pela Haikasoru podemos encontrar The Lord of the Sands of Time, ou All you need is Kill. Este A Small Charred Face é outra das publicações desta colecção, num tom mais voltado para a fantasia de horror do que para a ficção científica.
Lendas envolvendo figuras com características de vampiros podem ser encontradas em quase todas as civilizações. Também na China estas existem, ainda que originalmente estes monstros absorvessem Qi e não sangue. Com a troca de histórias com o mundo ocidental, algumas destas lendas transformam-se e aproximaram-se das que conhecemos com vampiros.
Um Jiangshi ou Bamboo (como neste livro são designadas estas criaturas) é um género de vampiro. Mas estes vampiros revelam uma mentalidade quase humana, vivendo sob um conjunto de regras que devem cumprir como não revelar a sua natureza a humanos, beber apenas sangue de humanos mortos e reunirem-se mensalmente. Pegando nestas criaturas peculiares, este livro apresenta três histórias, que se interligam, onde as interacções com os humanos ultrapassam os limites expectáveis.
O livro abre com um episódio pesado – a chacina de uma família numa pequena cidade comandada pela máfia. O rapaz, mais novo, passa despercebido aos assassinos que, após o acto, aguardam à porta pela chegada dele para terminarem o serviço. Escondido, vislumbra uma figura sobre o pescoço da irmã, morta. Trata-se de uma figura que corresponde à descrição dos míticos, e sobrenaturais, Bamboo.
Entre os dois estabelece-se, rapidamente, uma ligação. O Bamboo, outrora humano, reconhece a fragilidade do rapaz e evita que seja outra das baixas daquela noite, levando-o consigo. Em casa, mostra-o ao outro Bamboo, seu companheiro e, após longas conversas, resolvem escondê-lo e educá-lo. Mas para tal, terão de lhe vestir roupas femininas – a máfia não procura uma menina.
A dinâmica desta família é estranha. Sendo humano o rapaz dorme durante a noite, enquanto que os Bamboo dormem durante o dia. Ainda assim, o rapaz cria afeição pelas duas criaturas que cuidam dele e o educam, referindo a importância da chama dos humanos. Mas claro que nem tudo dura. O rapaz cresce e a sua permanência com os Bamboo é cada vez mais difícil de dissimular.
Na segunda história seguimos outra dupla pouco provável: uma rapariga humana que se alia a uma rapariga Bamboo. Para além da companhia, ambas procuram, consciente ou inconscientemente, outras vantagens: a humana procura protecção, enquanto que a Bamboo procura comida (e usa a humana como isco). O relacionamento é o de uma irmandade conflituosa, acumulando-se tensões com o crescimento da rapariga humana.
A última história descreve a forma como os Bamboo se deslocaram da sua localização original (China) e tomaram a decisão de abandonar as montanhas interiores para habitar nas cidades japonesas. Esta história é contada pela perspectiva da realeza dos Bamboo, que se vê ameaçada com a chegada, ao interior das montanhas, de seres humanos que não os respeitam.
A Small Charred Face tem um tom muito próprio. Se, por um lado, nalgumas noutras narrativas de origem oriental, ficamos com a sensação de que algo nos escapa – talvez nuances culturais; num véu ténue que nos mostra quase tudo mas oculta algum detalhe mais profundo, neste livro tal não acontece. Trata-se de uma narrativa que se baseia na empatia criada entre duas criaturas diferentes, Bamboo e humanos, sendo que as descrições são bem sucedidas em transmitir essa empatia.

Mas é esta mesma empatia que se encontra no limite do verosímil. Por um lado, os Bamboo, criaturas poderosas mas com as suas fragilidades, parecem sedentos de companhia humana e de companheirismo. A sua realidade é muito menos glamorosa do que a que nos é mostrada na literatura para os seus equivalentes ocidentais, vampiros. Incapazes de se ver ao espelho, e impossibilitados de se revelarem a humanos, necessitam de outros Bamboo para manterem um aspecto limpo e asseado, de forma a conseguirem alguma profissão na sociedade humana.
Por seu lado, os humanos que conhecem estes Bamboo também não apresentam a usual reacção aos monstros, percebendo que estes agem quase como humanos – racionais e, na sua maioria, com princípios de vida em comunidade e de convivência com os humanos. Mas, adicionalmente, quem encontra estes Bamboo encontra-se em situação de fragilidade, o que justifica o relacionamento.
A Small Carred Face é uma leitura viciante. O primeiro episódio é pesado, mas a forma como é apresentado suscita curiosidade. Existe alguma inevitabilidade no destino de algumas personagens, mas nada tão grosseiro que afecte a narrativa. O resultado é uma boa e inesperada leitura.